Hoje, mais de 95% das linhas de crédito são do banco estatal, mas começam a surgir novos instrumentos de mercado
O mercado de crédito às obras de infraestrutura começa a se mexer, mesmo que vagarosamente, para se libertar de sua quase completa dependência dos desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A diminuição da fatia detida pelo banco estatal – entre 70% e 95%, dependendo da linha e do prazo – interessa a todos os participantes, inclusive à própria instituição, que precisa expandir seu “funding” sempre que há aumento de demanda. E aguentar as pressões por maior agilidade. O governo quer reduzir a presença do banco e se esforça por criar um mercado de dívida privado por meio de títulos incentivados.
“O mercado começou a se movimentar. Existem hoje vários instrumentos em processo de decolagem. Não se trata mais de ficção científica”, diz Richard Dubois, sócio da área de governo e recursos públicos da consultoria PwC. Esses mecanismos são as debêntures de infraestrutura, as Parcerias Público-Privadas (PPP), os Fundos de Investimentos e Participação (HP) e os fundos de infraestrutura. Mas, mesmo a médio prazo, não irão substituir o BNDES, serão vertentes auxiliares que complementarão as vultosas necessidades de recursos. Ainda não há como competir com o banco em termos de custo e oferta.
O volume de novos financiamentos concedidos pelo BNDES a empreendimentos nas áreas de logística, energia e transporte deverá crescer este ano quase 10%, evoluindo dos R$ 53 bilhões desembolsados em 2011 para R$ 58 bilhões. “Trata-se de um investimento anticíclico de longo prazo, indutor de crescimento econômico sustentável, por isso não sofre efeitos da conjuntura econômica de curto prazo”, diz Nelson Siffert, superintendente da área de infraestrutura e insumos básicos da instituição. Em estoque, o banco administra em 332 projetos de grande porte e longa maturação cerca de R$ 232 bilhões. Desse total, 56% foram aprovados, 20% estão em análise e 24% no estágio inicial de carta-consulta.
Dos projetos financiados pelo BNDES, cerca de 80% são estruturados sob a forma de “projet finance”, modalidade de investimento cujo suporte é o fluxo de caixa do empreendimento e cujos ativos e recebíveis servem como garantia do dinheiro emprestado. Os desembolsos diretos do banco – geralmente acima de R$ 10 milhões – irão se expandir mais do que os 10% previstos em termos globais. A expectativa de Siffert é de que cresçam perto de 25% neste ano e em 2013.
Pelo modelo do “projet finance”, o BNDES entra com 60% do capital da Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada para viabilizar a obra. E cerca de 10% do investimento restante poderá vir sob a forma de emissão de debêntures de infraestrutura, que desfrutam a isenção de Imposto de Renda e de IOF. São papéis de longo prazo que podem render ao investidor IPCA mais 8% ao ano, quando títulos similares negociados no Tesouro Direto pagam juros de 4,5%. E as debêntures emitidas por SPE comandada pelo BNDES têm compartilhamento de garantias e risco mitigado pelas análises e monitoramentos feitos pela instituição. As debêntures costumam ser lançadas no ano final de construção da obra, e o BNDES pode adquirir até 15% da oferta.
Segundo a Anbima, o volume total de recursos canalizados para financiamento de projetos atingiu R$ 28,2 bilhões em 2011, com expansão de 46,9% em relação a 2010. Mas foi inferior ao montante de R$ 57,5 bilhões registrado em 2009, engordado pelos projetos das hidrelétricas do Rio Madeira, que consumiram R$ 23,3 bilhões.
O prazo médio dos financiamentos pelo BNDES é de 18 anos, com spread acima da TJLP (congelada em 6% ao ano desde 2009) variando entre 1,5% e 2%. O custo de 8% é o mais barato em reais. Pode ser superior ao de um empréstimo externo, mas sobre ele não incide, como neste, a variação cambial. Mas há casos, como em projetos de energia, em que o prazo de pagamento sobe para 25 anos e o spread cai para 0,90%. “Não se trata de subsídio, pois o custo médio supera a inflação atual em 3%”, enfatiza Siffert. A inadimplência nesse tipo de linha é praticamente nula, porque eventuais atrasos são compensados por ajustes nos prazos de carência. Segundo ele, cerca de 25% sofrem algum tipo de ajuste ao longo do caminho. A carência varia conforme as características e o porte da obra.
A dependência dos recursos do BNDES decorre, de acordo com Siffert, de uma “falha do mercado de capitais”, incapaz de oferecer crédito de longo prazo com a abundância, a velocidade e as condições necessárias ao desenvolvimento. Enquanto o mercado de capitais evolui no seu ritmo, atraindo investidores de porte como os institucionais domésticos e os fundos estrangeiros, o BNDES supre a lacuna, porque é sua função básica assegurar o crescimento. “O banco é dez vezes maior que o Bird e temos quase o mesmo tamanho do banco de desenvolvimento da China”, compara. Os bancos nacionais são parceiros importantes do BNDES. Assumem cerca de um terço do risco das operações. O interesse deles só diminui quando o prazo do empréstimo ultrapassa 20 anos.
As fontes de financiamento de máquinas e. equipamentos para : obras de infraestrutura são as oficiais (BNDES, BNB e Basa), o leasing e o crédito externo fornecido pelo próprio fabricante quando : da importação. Os problemas das fontes não oficiais são os custos e os prazos, segundo Eurimilson João Daniel, vice-presidente da Sobratema, entidade que congrega 900 empresas ligadas ao setor de construção pesada. Trata-se de um mercado que demandou em 2011, só na linha amarela (retroescavadeiras, máquinas de terraplanagem e niveladoras), cerca de R$ 9 bilhões. O custo do leasing pode variar entre 15% e 20% ao ano e o prazo não passa de 48 meses, enquanto no BNDES a taxa básica é 6% da TJLP e o prazo alcança 60 meses. Mas o banco estatal não financia equipamentos importados. Os custos da importação com crédito cedido pelo fabricante seguem os padrões dos baixos juros internacionais, mas o prazo é curto, entre dez e 15 meses.
O declínio das taxas de juros brasileiras, forçando os investidores a diversificar suas carteiras, está mudando aos poucos a configuração do mercado de dívida de longo prazo. “A mudança é lenta, mas parece irreversível”, diz Dubois, da PwC. Alguns instrumentos de dívida começam a ser testados com seriedade, mas são ainda tímidos frente às necessidades. Com o amadurecimento e a sofisticação do mercado brasileiro, a vinculação das obras aos aportes do BNDES tende a ser reduzida consideravelmente. A estimativa de Dubois é de que, hoje, cerca de 95% do crédito com prazo superior a cinco anos são provenientes do banco oficial. “O BNDES continuará representando uma fatia expressiva do mercado, mas acredito que a sua relevância poderá se limitar a uns 50% do total dos financiamentos em quatro anos.”
Os restantes 5% são fornecidos pelo mercado de ações, pelas captações externas, pelos fundos de pensão e pelo mecanismo de reinversão dos lucros no próprio negócio. Mas são modalidades indicadas apenas às empresas de primeira linha, públicas ou privadas. As emissões de papéis na bolsa de valores se sujeitam aos humores oscilantes do mercado global e aos fluxos do capital estrangeiro, mas se trata de um capital barato e não sujeito a cronogramas rígidos de pagamento obedecidos na amortização de empréstimos. As captações por meio do lançamento de eurobônus e commercial papers, embora submetidos às variações cambiais, são hoje favorecidos pela abundante liquidez vigente nas praças internacionais. E a custos baixos, entre 5% e 7%, dependendo do perfil da empresa emissora. Mas nunca foi prática sensata o excessivo endividamento em dólar. Os fundos de pensão, explica o consultor, são compradores de debêntures de longo prazo mesmo que não haja um ativo mercado secundário para revenda.
O governo está seriamente empenhado em reduzir a carga nos ombros do BNDES. O pacote de medidas destinadas a criar um mercado de dívida baseado nas debêntures de infraestrutura começa a dar resultados, avalia Ricardo Russo, sócio do escritório Pinheiro Neto. Ainda não foi emitido nenhum papel com a formatação autorizada e incentivada pelo governo, mas o interesse é muito grande, sobretudo por parte dos fundos estrangeiros. O pacote foi lançado no meio do ano passado, mas somente agora os ministérios ligados à infraestrutura revelam as suas prioridades. “As debêntures fornecerão um funding adicional às obras. A maior parte dos recursos virá do BNDES, mas como há limites dentro do banco por tomador, uma fatia menor terá de ser fornecida pelo mercado.” A estrutura para diminuir a sujeição aos cofres oficiais está montada. Os alvos são o capital estrangeiro e o aplicador pessoa física qualificado, os que gozam do incentivo fiscal.
Enquanto as debêntures de infraestrutura não deslancham, o mercado encontrou maneiras informais de se beneficiar da isenção tributária. A primeira é mais simples: empresa estrangeira interessada em investir no país compra debêntures lançadas pela sua filial. Se fizesse o aporte por meio de empréstimo ou emissão de bônus recolheria IR de 15%. A segunda é um pouco mais elaborada: uma empresa nacional emite bônus lá fora cujo comprador será uma subsidiária externa, depois esta destina os recursos à aquisição de debêntures emitidas pela controladora aqui dentro.
Por: Luiz Sergio Guimarães
Fonte: Valor Econômico
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