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O pesado custo ambiental de Tapajós

Trecho do rio Tapajós, no Pará, onde pode ser construída a usina de São Luiz do Tapajós: barragem teria 39 metros de altura, o equivalente a prédio de 13 andares

A determinação do governo em levar adiante o plano de construir a última grande hidrelétrica do Brasil poderá impor um custo ambiental sem precedentes na história do país. A usina de São Luiz do Tapajós, que teria potência inferior apenas a Itaipu, Belo Monte e Tucuruí, produziria 6.133 megawatts (MW) de energia a partir da construção de uma muralha de 3.483 metros de comprimento atravessada no coração da Amazônia.

Essa barragem, que teria 39 metros de altura, o equivalente a um prédio de 13 andares, seria erguida em uma das áreas mais protegidas da região: o Parque Nacional da Amazônia, a primeira unidade de conservação demarcada na chamada Amazônia Legal. Com outras 11 unidades, essa área forma o imenso complexo da bacia do Tapajós, o maior mosaico de biodiversidade do planeta.

O que está em jogo é a inundação total de 1.368 quilômetros quadrados de floresta virgem, uma área quase do tamanho da cidade de São Paulo, equivalente a duas vezes e meia a inundação que será causada pela hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, também no Pará. Com a usina de São Luiz – e também Jatobá, segunda hidrelétrica planejada para o rio – o Brasil adicionaria 8.471 megawatts (MW) à sua matriz energética. Em Belo Monte, onde o lago é de 516 km quadrados, a potência é de 11 mil MW.

Durante uma semana, o Valor percorreu toda a região por estrada, floresta e pelo rio Tapajós, ouvindo especialistas ambientais, técnicos em energia, lideranças do governo, ribeirinhos, índios, garimpeiros e a população dos municípios que serão diretamente atingidos pelo empreendimento. A construção de São Luiz e Jatobá ainda não é fato consumado. Os projetos estão em fase de levantamento para elaboração do relatório de impacto ambiental, trabalho que está sendo executado por cerca de cem pesquisadores de empresas contratadas pela Eletrobras, um grupo de técnicos que sobe e desce o rio o dia inteiro.

Embora os estudos estejam em fase preliminar, as polêmicas em torno dos empreendimentos já atingem um estágio crítico e dão uma ideia da dificuldade que o governo enfrentará para levar adiante o plano de erguer hidrelétricas numa Amazônia onde estão as terras e rios mais preservados do país.

“O Tapajós apresenta uma situação inédita para o governo. Nunca atuamos em uma área preservada como essa região”, afirma o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim. De fato. Em empreendimentos como Jirau e Santo Antônio, que estão em conclusão nas proximidades de Porto Velho (RO), as hidrelétricas funcionaram – ao menos teoricamente – como vetor de desenvolvimento social da região. Esse mesmo tipo de argumento também sustentou o licenciamento de Belo Monte, que prevê, por exemplo, a realocação de aproximadamente 7 mil famílias.

No Tapajós é diferente. Itaituba, o maior município da região, com 110 mil habitantes, está a quase 70 quilômetros abaixo do local previsto para a barragem de São Luiz e deverá ser pouco atingida. No geral, o impacto social chega às comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. É no ambiente, no entanto, que o impacto é profundo.

“Temos o total interesse em preservar o ambiente o máximo possível. A questão que se coloca é saber se a construção das usinas é incompatível com a preservação. Nós acreditamos que os projetos são viáveis”, diz Tolmasquim.

Para viabilizar os estudos de São Luiz e de Jatobá, a presidente Dilma Rousseff publicou em janeiro uma medida provisória (convertida em lei em junho), reduzindo as unidades de conservação nas áreas que serão atingidas pelas obras. A MP foi contestada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que avalia a constitucionalidade da medida.

Apesar de o governo argumentar que a “desafetação” das áreas tem apenas o propósito de liberar a etapa de estudos das usinas, o Valor verificou que a redução das florestas já incluiu toda a área planejada para construção das hidrelétricas, incluindo seus canteiros de obra e a área que será inundada. A grande diferença desses empreendimentos para uma hidrelétrica como Belo Monte, por exemplo, é que mais da metade da floresta da usina do rio Xingu já estava ocupada por algum tipo de atividade antes da liberação do empreendimento. No caso do Tapajós, praticamente tudo está preservado.

O governo sustenta que não reduziu as áreas de conservação. Pelo contrário, as florestas foram ampliadas em 20.939 hectares. Ocorre que, das oito reservas que sofreram com os cortes, apenas duas tiveram reposição em algum outro ponto. “As áreas que foram ampliadas não têm, nem de longe, a relevância ambiental das regiões que serão inundadas. É lamentável. Esse argumento de que houve ampliação é um insulto à inteligência das pessoas”, diz Brent Millikan, diretor da organização Amazonia International Rivers.

A redução das florestas afetou, principalmente, o Parque Nacional da Amazônia, decisão que causou indignação para técnicos e analistas ambientais da região. “Estávamos trabalhando a mil por hora no plano de manejo do parque. De repente, fomos avisados que parte do parque simplesmente iria ser desafetada”, diz Maria Lucia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia, ligada ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). “Foram quatro anos de trabalho para nada. Recebemos esse banho de água gelada, o trabalho todo foi perdido.”

No parque já foram catalogadas mais de 390 espécies de aves e outras 400 de peixes. A riqueza entre os mamíferos inclui animais em extinção como onça-pintada, onça-vermelha, tamanduá-bandeira e jaguatirica. Na área da barragem de São Luiz, há uma das tantas formações de pedras que, durante o período da seca – que atinge o auge em setembro -, transformam-se em imensos corredores ecológicos para a travessia dos animais de uma margem à outra do Tapajós.

A preocupação com os peixes também é grande, devido à mudança no fluxo do rio. A região é cheia de corredeiras. As espécies que conseguirem subir a escada de peixe da usina, por exemplo, chegarão ao lago da barragem precisando de mais oxigênio devido ao esforço, mas encontrarão água represada, com quantidade menor de oxigênio que o necessário.

“A expectativa é que 90% das espécies de peixes sumam. Para mim, como técnica ambiental, é inegável a sensação de constrangimento ao ver o que querem fazer com o rio mais bonito da Amazônia”, desabafa Maria Lucia. “Não há nada igual ao Tapajós. Se essas barragens saírem, será a morte do rio como ele existe hoje.”

O inventário da bacia foi realizado pela Eletrobras, em parceria com a Camargo Corrêa. A construtora não quis se pronunciar sobre o assunto. A Eletrobras não se manifestou até o fechamento desta edição. O governo quer concluir os estudos ambientais de São Luiz e Jatobá até início do ano que vem. A previsão era leiloar as usinas até julho de 2013, mas o prazo mais atualizado é o fim do ano que vem.

Por: André Borges
Fonte: Valor Econômico 

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