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Controle populacional não resolve mudanças climáticas, alerta especialista da ONU

O planeta enfrenta enormes desafios ambientais.  Alguns afirmam que o controle populacional é a solução do problema.  Para o especialista da ONU Daniel Schensul, a medida não vai ajudar a curto prazo.

Daniel Schensul trabalha para o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), como especialista técnico em população e desenvolvimento. Em entrevista à Deutsche Welle, Schensul tenta explicar a complexa relação entre o crescimento populacional e as mudanças climáticas.

Deutsche Welle: Qual é a relação entre o tamanho da população e as mudanças climáticas?

Daniel Schensul: Temos agora cerca de 7,2 bilhões de pessoas em todo o mundo e esperamos um crescimento para 9,6 bilhões até 2050. Nos últimos cem anos, nosso impacto sobre as emissões de gases-estufa tem crescido vertiginosamente, assim como o consumo – multiplicado de certa maneira pelo número de pessoas, mas também pelo crescimento significativo do consumo nos países ricos, da indústria extrativa, de setores baseados em combustíveis fósseis, produção e consumo.

Assim, quando penso na relação entre a população e as mudanças climáticas, sempre tendo a pensar não somente no número de pessoas, mas também na forma como consomem, como produzem e também na distribuição do consumo e da produção por entre a população.

Com o aumento da população mundial, também aumenta a pressão sobre os recursos e sobre o meio ambiente. Isso significa que limitar o crescimento populacional ajudaria a aliviar a pressão sobre os recursos e a segurança alimentar?

Acho que, a longo prazo, é inegável que desacelerar a trajetória do crescimento populacional teria uma influência sobre a forma como usamos os recursos e na quantidade desses recursos. Porém – e este é um grande “porém” – as trajetórias do nosso consumo e do nosso impacto ambiental andaram muito mais rápido do que o crescimento populacional. De certa forma, não é ilimitado, mas cada pessoa pode consumir realmente muito.

Um dos erros comuns ao se pensar a relação entre a população e as mudanças climáticas é confundir uma pessoa com uma unidade de consumo. Nem todo o mundo contribui da mesma forma [para a mudança climática] e alguns contribuem maciçamente. Então, digamos que neste momento haja, provavelmente, uns 2,5 bilhões de pessoas no mundo com renda acima de dez dólares por dia – isso representa consumo que tem algum tipo de impacto significativo sobre o meio ambiente.

Na verdade, esse não é um número muito alto em relação ao total de habitantes do planeta e, na verdade, mesmo entre esses 2,5 bilhões, é muito menor o número dos que consomem mais e determinam muitas das mudanças que estamos vivendo.

Quanto à discussão sobre a relação entre população e mudanças climáticas: que tipos de complexidades ou características populacionais precisam ser considerados?

Nunca devemos olhar somente a população, mais sim: população, consumo e produção, nossa tecnologia e nossa matriz de energia. Isso é o que queremos estabilizar e reduzir. Acho que às vezes é fácil ignorar alguns desses outros elementos e dizer que a coisa difícil demais, que é mais fácil tentar mudar a trajetória populacional. Isso permite a alguns de nós, que consomem muito, continuar consumindo muito e ainda assim encontrar um caminho para a sustentabilidade. Portanto, essa é a maior complexidade.

Eu diria que a segunda é a desigualdade. Nós realmente precisamos considerar como distribuímos nossos recursos ambientais ao redor do mundo. Com o aumento da desigualdade que temos observado, recursos finitos de que dispomos estão sendo usados para enriquecer os que estão por cima. E isso mina nossos recursos para a futura redução da pobreza, assim como a habilidade de continuar a se desenvolver sem criar ou dar continuidade a processos como as mudanças climáticas e outras degradações ambientais.

As conversações sobre como lidar com as mudanças climáticas deveriam se concentrar mais na população?

É interessante; as negociações climáticas, em si, nunca consideraram a questão populacional. Essa tem sido uma questão controversa. E também há tantas dinâmicas políticas complexas entre o Norte e o Sul, sobre onde se localiza o crescimento populacional. Acho que há grandes questões políticas aqui.

Ao mesmo tempo, acho que deveríamos estar bem mais conscientes quanto à importância das questões demográficas para a mudança climática. Isso inclui o crescimento populacional e, em alguns lugares, o declínio populacional. Esperamos um crescimento adicional de 3 bilhões de habitantes urbanos por volta de 2050. A forma da nossa transição rumo a uma sociedade mais urbana realmente vai delinear nossa forma de combater as mudanças climáticas e de nos proteger delas.

Por que a questão populacional é tão controversa?

Acredito que existem três razões. A primeira é que há uma diferença entre onde a população está crescendo rapidamente e onde as emissões [de gases do efeito estuga] estão ocorrendo. Os mais altos níveis e taxas de emissões per capita estão nos países mais ricos, que estão vivenciando crescimento populacional lento. E as taxas mais rápidas de crescimento populacional estão em países muito pobres, que não emitem quase nada e que historicamente não contribuíram quase nada para as mudanças climáticas. Então, a solução [do controle demográfico] é como colocar o ônus sobre aqueles que nunca fizeram nada para criar o problema e que também não são responsáveis por ele agora.

O segundo motivo está no fato de o crescimento populacional ser impulsionado por um fator que é uma grande quantidade de mulheres entrando em seus anos reprodutivos. Elas terão filhos, mesmo que sejam só dois. E isso vai causar algum aumento populacional. Esse impulso limita o que se pode fazer com as políticas para mudança da curva populacional.

A terceira razão está na existência de uma história muito longa de violações dos direitos humanos quando há objetivos populacionais ou de fertilidade, sejam esterilizações forçadas ou uma séria limitação do número de filhos que as pessoas podem ter.

O mundo se reuniu 20 anos atrás, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, para mudar o foco das ideias demográficas: afastando-as desse tipo de objetivos e dessas violações dos direitos humanos, e aproximando-a dos direitos e da saúde das mulheres, e da capacidade e poder delas de escolher a própria fertilidade e de tomar decisões sobre sua vida reprodutiva.

Fonte: Deutsche Welle

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