Companhias chinesas continuam com imenso apetite pelo setor elétrico do Brasil, no qual já caminham para a liderança em alguns negócios, mas o cheque em branco dado por Pequim para aquisições no país não significa que as gigantes orientais farão qualquer negócio ou pagarão preços excessivos pelos ativos.
Prova disso foi o desinteresse na privatização da distribuidora goiana Celg-D –às vésperas do cancelamento do leilão nesta semana, mercado e governo especulavam se o interesse da chinesa State Grid poderia salvar um fracasso que se desenhava conforme investidores brasileiros criticavam o preço da elétrica.
Segundo as empresas e especialistas próximos, equipes da State Grid e de sua compatriota China Three Gorges (CTG) têm analisado em detalhes cada tentativa de venda de ativos no setor de energia, mas na vantajosa posição de quem tem caixa e tempo para escolher os melhores negócios.
“Os chineses estão com maior apetite pelo risco-Brasil, o que não quer dizer que não olhem os riscos com muita atenção… evidente que eles aceitam um retorno um pouco mais baixo que o investidor brasileiro, mas também não estão rasgando dinheiro”, disse o sócio da consultoria Upside Finance, Humberto Gargiulo, que já apoiou a State Grid antes em leilões de transmissão.
Ele comentou que a companhia faz detalhadas análises financeiras e analisa todos os riscos, principalmente o cambial, dadas as receitas em reais das concessões em energia.
O avanço rumo ao exterior tem como pano de fundo o interesse em criar mercados para fabricantes de equipamentos e empresas de engenharia chinesas, além de aumentar a influência global de Pequim. No Brasil, o interesse é maior ainda devido às características do sistema, que guarda semelhança com o chinês por recorrer a grandes hidrelétricas e imensas linhas de transmissão.
“Nós temos o objetivo de ser um player relevante, mas para crescer nós precisamos que isso faça sentido, depende das oportunidades no mercado… há muitas oportunidades e potenciais compras que estamos analisando”, afirmou à Reuters o presidente da CTG Brasil, Li Yinsheng.
De acordo com o executivo, a companhia tem uma equipe de seis pessoas no país e mais especialistas na China que analisam negócios o tempo todo, e que não há limites ou metas pré-definidas para os investimentos no Brasil.
Ele ressaltou que a preferência é por energia renovável, e estão no foco tanto compras de ativos ainda em construção quanto em operação, além de novos projetos.
“Primeiro, tem que ser sustentável. E encaixar na nossa estratégia. Aí, então, olhamos para a avaliação econômica… não descartamos qualquer possibilidade, tudo depende da criação de valor”, afirmou.
Ele disse também que a companhia acredita fortemente no potencial para crescimento da demanda por energia do Brasil, onde o consumo por habitante ainda é baixo comparado a outros países.
“Nós estamos no mercado para o longo prazo, esse é nosso racional de investir no Brasil. Você pode imaginar que se uma companhia toma 20 anos para tomar a decisão de vir, só podemos assumir que veio para ficar por um longo tempo no mercado.”
Já a State Grid estreou no Brasil em 2010 com a aquisição de 1 bilhão de dólares em ativos de transmissão e desde então entrou em gigantescos projetos no país. A CTG, por sua vez, tem contato com o país há mais de 20 anos, mas decidiu entrar de vez em 2013, desde quando soma 16 bilhões de reais em aquisições locais.
Procurada, a State Grid não quis fazer comentários sobre sua estratégia.
NEGÓCIOS NO RADAR
De acordo com uma fonte que acompanha as negociações, a CTG tem uma visão de liderar o mercado de geração no médio prazo, e no momento participa da análise da eventual compra de ativos da norte-americana Duke Energy no país, da geradora de energia limpa Renova e de parques eólicos da Queiroz Galvão Energia.
Já a State Grid estuda a possível compra de ativos de transmissão de energia das espanholas Abengoa [ABG.MC] e Isolux.
Também foi oferecida às orientais uma fatia na hidrelétrica de Santo Antônio, que está sendo construída em Rondônia por um grupo que inclui Cemig, Odebrecht e Andrade Gutierrez, além de Furnas, da Eletrobras.
“Eles olham tudo… nunca vi tanto dinheiro”, brincou a fonte.
Além disso, a State Grid tem uma due dilligence em andamento para a aquisição da fatia da Camargo Corrêa na CPFL Energia, em um negócio que pode passar os 25 bilhões de reais caso os demais acionistas da empresa também vendam suas participações.
Em entrevista recente à Reuters, o presidente da CPFL, André Dorf, disse que se assumirem a companhia os chineses estarão em um veículo pronto para novos investimentos ou aquisições em todos segmentos da energia –geração, transmissão, distribuição e comercialização.
“Eles vão fazer bastante coisa ali”, afirmou à Reuters uma fonte próxima dos chineses que vê grande espaço para consolidação na indústria de energia do Brasil.
O presidente da CTG disse que não comentaria o interesse em ativos específicos.
BONS NEGÓCIOS E POLÊMICAS
O crescimento rápido das companhias chinesas pelo mundo tem inclusive gerado polêmicas, como o recente bloqueio da Austrália à aquisição de uma elétrica local pela State Grid por questões de segurança nacional.
Em 2012, algo semelhante aconteceu no Brasil –a State Grid chegou a ter uma investida para entrar no setor de distribuição de energia vetada pelo governo, que ameaçou colocar a Eletrobras para bloquear o negócio.
Agora, a situação é marcantemente diferente –a primeira viagem oficial do presidente interino Michel Temer ao exterior será para a China, e o Ministério de Minas e Energia já disse que não tem preconceito quanto ao capital oriental.
Afinal, o Tesouro recebeu neste ano 13,8 bilhões de reais da CTG, que arrematou em dezembro passado a concessão de duas hidrelétricas em operação em São Paulo em leilão promovido pela União.
A transação, inclusive, mostrou o que pode ser o maior trunfo dos orientais no país: uma grande capacidade financeira em um momento em que elétricas locais e governo lidam com dívidas elevadas e falta de recursos.
Na ocasião, a CTG venceu sem concorrência, o que o sócio da consultoria LMDM, Diogo Mac Faria, definiu como um “negócio sensacional”. “Ninguém mais conseguiu levantar tanto dinheiro em tão pouco tempo”, afirmou. Ele estimou uma taxa interna de retorno “da ordem de 12,5 por cento” na compra das usinas.