O mercado desenfreado de animais e plantas está envolvido no risco de extinção de 72% das 8.688 espécies ameaçadas no planeta, indica grupo internacional de conservacionistas. Só a indústria madeireira tem vínculo direto com o declínio de mais de 4 mil
A superexploração comercial é o principal motor do declínio populacional da vida selvagem, de acordo com um levantamento publicado na revista Nature. Ao avaliar os fatores que impactam diretamente as 8.688 espécies da Lista Vermelha, um compêndio de animais ameaçados de extinção organizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), pesquisadores de diversas instituições do mundo concluíram que 72% delas são vítimas da caça desenfreada, seja para abastecer o mercado de carnes exóticas, o comércio de ornamentos (como marfim) ou a indústria clandestina de medicinas tradicionais que usam órgãos e ossos, sem comprovação científica, para a fabricação de elixires. A caça recreativa também entra na conta.
O avanço da agropecuária sobre o hábitat selvagem tem um peso considerável sobre o número de animais ameaçados. Segundo a análise, 5.407 espécies – 62% da lista – é impactada pelo setor. Como comparação, as mudanças climáticas impactam em 19% dos casos. Os autores do trabalho lembram que mais de um fator costuma ser responsável pelo risco de extinção e que todos os 11 avaliados estão relacionados à atividade humana, como desenvolvimento urbano, introdução de espécies invasivas, construção de estradas, poluição industrial e produção energética. “Surpreendentemente, no ranking, as mudanças climáticas aparecem no sétimo lugar, um dos últimos”, observa o conservacionista Sean Maxwell, da Universidade de Queensland, na Austrália, e principal autor do artigo.
A caça ilegal, de acordo com os pesquisadores, está dizimando todas as espécies de rinocerontes e elefantes, além do gorila do ocidente e do pangolim chinês. “Eles são perseguidos como resultado de uma demanda enorme por partes de seu corpo e pela caça. É importante lembrar que estamos falando de apenas três de mais de 2,7 mil espécies de animais terrestres e peixes afetadas pelos mesmos motivos ou porque as pessoas querem tê-los em casa, como pets de estimação”, critica Maxwell.
Mais pressão
A um mês do encontro anual da UICN, que será realizado no Havaí, os conservacionistas afirmam que são necessárias medidas urgentes, endereçadas aos principais setores que ameaçam a vida selvagem. Entre eles, a expansão agropecuária e a indústria madeireira. Essa última, de acordo com o levantamento, está associada diretamente ao declínio de mais de 4 mil espécies endêmicas de florestas, como o pássaro Ptilocichla leucogrammica, encontrado apenas na Ilha de Bornéu; do Crocidura nicobarica, mamífero que habita partes da Índia; e do Rhinopithecus stryker, macaco que vive apenas em Mianmar.
“A história nos ensinou que minimizar o impacto da superexploração e da agricultura requer uma série de ações de conservação, mas esse é um objetivo que pode ser atingido”, garante James Watson, coautor do estudo e pesquisador da União Internacional para a Conservação da Natureza, embora reconheça que seja um “trabalho hercúleo”. “Ações como manejo adequado de áreas protegidas, fiscalização da caça e manejo dos sistemas agrícolas de forma que as espécies ameaçadas possam conviver com eles são muito importantes para reduzir a crise da biodiversidade. Elas precisam ser priorizadas”, observa.
62% da lista de animais ameaçados sofre o impacto negativo do avanço da agropecuária
Atenção aos grandes mamíferos
Uma equipe de biólogos conservacionistas está fazendo um chamado mundial para a construção de estratégias que previnam algo impensável: a extinção dos maiores mamíferos da Terra. Em uma declaração publicada no jornal BioScience, um grupo de mais de 40 cientistas e outros especialistas ressaltaram a necessidade de um plano global coordenado para evitar o desaparecimento da megafauna.
Entre as ameaças citadas por eles como principais desencadeadores da extinção em massa, estão a caça ilegal, o desmatamento, a perda de hábitat, a expansão agropecuária em áreas de vida selvagem e o crescimento das populações humanas. “Quanto mais vejo os desafios para os maiores mamíferos terrestres, mais me preocupo com o fato de que podemos perdê-los justamente em um momento em que a ciência está descobrindo como eles são importantes para os ecossistemas e para as pessoas”, diz William Ripple, professor de ecologia da Universidade Estadual de Oregon e principal autor do estudo.
Ripple trabalhou com outros autores para examinar as tendências populacionais de muitas espécies, incluindo as mais conhecidas e carismáticas, como elefantes, rinocerontes, gorilas e grandes felinos que agora estão ameaçados de extinção. Aproximadamente 59% dos maiores mamíferos carnívoros do mundo, incluindo os tigres, e 60% dos maiores herbívoros compõem a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. “Talvez, a maior ameaça para muitas espécies seja a caça direta, impulsionada pela demanda por carne, animais de estimação e partes do corpo para abastecer medicinas tradicionais e a indústria de ornamentos”, explica Elizabeth Bennet, vice-presidente de Conservação de Espécies da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e coautora do trabalho. “Apenas um comprometimento massivo da comunidade internacional poderá frear essa destruição de tantas populações animais.”
Primordiais
Todas essas espécies desempenham importantes papéis em seus ecossistemas. Elefantes, por exemplo, são considerados “engenheiros ecológicos”, dispersando sementes e nutrientes ao longo de vastas áreas. “A perda de elefantes em florestas da África Central está atrapalhando enormemente o funcionamento de um dos ecossistemas mais importantes da região”, diz a conservacionista Fiona Maisels. “Estamos apenas começando a entender o quão vital são essas espécies para a saúde das florestas tropicais e para outras espécies que vivem nelas.”
Algumas espécies da megafauna enfrentam a ameaça da obscuridade. A perda de elefantes em todo o mundo por caçadores atrás de marfim é algo conhecido e foco de esforços intensos para acabar com esse comércio. Contudo, os autores observam que muitas outras espécies estão em riscos por motivos similares, mas são tão pouco conhecidas que é difícil desenhar estratégias efetivas para salvá-los. (PO)
“Me preocupo com o fato de que podemos perdê-los (os grandes mamíferos) justamente em um momento em que a ciência está descobrindo como eles são importantes para os ecossistemas e para as pessoas”. William Ripple, professor de ecologia da Universidade Estadual de Oregon e principal autor do estudo
Fonte: Correio Brazilense






