As águas da bacia do Rio Doce estão impróprias para consumo humano e pesca, irrigação e produção de alimentos em todos os pontos analisados pela Fundação SOS Mata Atlântica, ao longo de 733 quilômetros, por onde correu o rastro de lama, resultado da maior tragédia ambiental do país, ocorrida há dois anos, no município mineiro de Mariana. Além disso, a qualidade da água dos rios que compõem a bacia do Rio Doce está ruim ou péssima em 88,9% dos pontos de coleta analisados e regular em 11,1%.
A bacia do Rio Doce foi contaminada pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, em 5 de novembro de 2015. O incidente devastou a vegetação nativa e poluiu toda a bacia, atingindo outros municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram e diversas comunidades foram destruídas.
Expedição realizada pela Fundação SOS Mata Atlântica, entre os dias 11 e 20 de outubro, percorreu o rastro da lama ao longo do rio Doce, desde os seus formadores – os rios Gualaxo do Norte, Piranga e Carmo – até uma centena de afluentes que formam a bacia e banham 29 municípios e distritos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Em nenhum local a água foi considerada boa ou ótima, na escala de avaliação da entidade.
Piora nos índices
Em 2017, houve piora na qualidade da água em relação ao ano anterior. No ano passado, a água foi considerada ruim ou péssima em 53% dos pontos de coleta, regular em 41,1% e ótima em 5,9%. O índice revelado neste ano se assemelha à coleta feita logo após a tragédia, em novembro de 2015, quando 88,9% das águas estavam em péssima qualidade e 11,1 dos pontos estavam regulares.
Somente três pontos apresentaram conformidade com o padrão definido na legislação brasileira para turbidez, que é um dos indicadores diretamente associados ao impacto da lama de rejeito de minérios.
A pesquisa constatou ainda ausência de vida aquática, como girinos, sapos e peixes, em sete dos 16 pontos que apresentam qualidade de água péssima ou ruim. “Nesses locais, o espelho d’água estava repleto de insetos e pernilongos, vetor de graves problemas de saúde pública, como a dengue, zika, chikungunya e febre amarela”, disse Malu Ribeiro, especialista em água da SOS Mata Atlântica e responsável pela expedição.
Segundo Malu, o sedimento de rejeito de minério está presente em todo o leito do rio, apesar de visualmente a água estar mais clara, e, por ser muito fino, qualquer movimento das águas faz com que ele fique em suspensão, aumentando novamente a turbidez para índices considerados impróprios. Ela alerta ainda que “a seca extrema e o baixo volume das águas causaram uma concentração dos poluentes, o que fez com que a poluição, apesar de imperceptível a olho nu, esteja em concentração bem maior do que no ano passado”.
Metais pesados
A água do rio Doce continua fora dos padrões legais, segundo a SOS Mata Atlântica, e apresenta concentrações elevadas de sólidos em suspensão e metais pesados, como manganês, cobre, alumínio e ferro, em diferentes trechos monitorados. Apenas dois pontos de coleta, localizados em Perpétuo Socorro e Governador Valadares, ambos no rio Doce, não apresentam índices de cobre na água.
No restante da expedição, a concentração do cobre está acima do permitido. “O consumo de pequenas quantidades desse elemento pode provocar náuseas e vômitos. Quando ingerido em grandes quantidades, pode afetar os rins, inibir a produção de urina e causar anemia devido à destruição de glóbulos vermelhos”, alertou a entidade.
Em cinco dos pontos analisados, a concentração de manganês também estava acima dos índices permitidos. De acordo com a SOS Mata Atlântica, a ingestão do metal pode trazer rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza. “Pesquisas realizadas em animais apontam que o excesso desse componente no organismo provoca alterações no sistema nervoso central e pode levar à impotência”, acrescentou.
Sinais de vida
Nove pontos de coleta apresentaram sinais de vida aquática, apesar de estarem ainda longe do cenário ideal. Eles estão localizados justamente onde existem fragmentos de mata nativa ou que têm áreas de preservação permanente. “Esses locais foram menos afetados com o impacto da lama. Mesmo com tamanha tragédia, é possível notar alevinos, conchas, girinos e poucos peixes, sobretudo nos pontos próximos a afluentes de maior volume”, disse Malu Ribeiro.
Diversos fatores têm contribuído para reduzir o índice de oxigênio na água, como a elevada turbidez, o baixo volume dos rios, o excesso de nutrientes em decomposição lançados pelo esgoto sem tratamento e as altas temperaturas, o que dificulta a vida aquática. “Para a recuperação da qualidade da a gua, e essencial que sejam adotadas medidas efetivas de restaurac a o florestal com espécies nativas, de revitalização da bacia e a ampliação dos serviços de saneamento básico e ambiental nos municípios afetados”, avaliou a especialista.
Por: Camila Boehm
Fonte: Agência Brasil – EBC