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Opinião

Um deboche à lógica, ao Senado e a quem respeita a lei: por quê?

Os paradoxos contidos no texto do relator do código florestal na Câmara, dep. Paulo Piau, superam qualquer proposta jamais apresentada até hoje, gerando perplexidade sobre as razões por tamanha ousadia no desafio ao estado de direito. Qual o interesse em apresentar um texto que, de tão caricatural, parece encomendado, caso fosse aprovado, para justificar um veto generalizado?

O fato é que o deputado não apenas propõe reintroduzir a desobrigação de reparação do dano e o esvaziamento do conceito de Área de Preservação Permanente (como já constava da proposta votada pela Câmara em maio do ano passado), mas vai muito além disso, ao eliminar uma série de esclarecimentos interpretativos que o Senado havia introduzido nem tanto por fins ambientais, mas para que a lei fizesse algum sentido juridicamente e sua implementação fosse norteada pelos princípios gerais do direito. Vale aqui destacar quatro exemplos surreais:

– o primeiro é a proposta de retirar a norma (art. 42, §5) que estabelece que os proprietários já alinhados com a lei possam passar a receber os benefícios econômicos previstos na lei imediatamente após a mesma a ser regulamentada, sem ter de aguardar anos até que os demais se tornem elegíveis para tanto. Qual a razão por querer prejudicar esses proprietários, sem que ninguém se beneficie com isso? Para o relator, só o fato de respeitar a lei é um perigoso precedente?

– o segundo é a supressão do §10 do art. 42, que esclarece que os incentivos econômicos para os possuidores de florestas não se destinam aos responsáveis por desmatamento ilegal após 2008. Como é possível conceber de oferecer subsídios econômicos pela conservação aos que reincidem no crime até mesmo após a anistia?

– o terceiro (art. 78) reside na eliminação da norma pela qual aqueles proprietários que, em cinco anos após a nova lei, se recusarem até mesmo em cadastrar suas propriedades perante o poder público, não podem mais receber crédito agrícola das instituições financeiras (!). Sim, entenderam bem, é isso mesmo. A lei que veio do Senado já era altamente questionável, ao estabelecer um prazo de cinco anos para algo que, obviamente, jamais deveria acontecer. Mas para o deputado Piau, um estabelecimento clandestino deveria poder receber crédito dos bancos para sempre.

– o quarto (art. 62 §13) tem a ver com permitir a “consolidação” do desmatamento em APP até mesmo dentro de Unidades de Conservação, como parques e reservas! Fora o absurdo ambiental, isso geraria prejuízos enormes à União, estados e municípios: imaginem o governo de São Paulo tendo de indenizar os ocupantes da Serra do Mar.

Enfim, ao propor a retirada de esclarecimentos tão óbvios e básicos que o Senado havia introduzido, com o objetivo de tornar a lei minimamente aplicável, o relator provavelmente queria colocar mais uns bodes na sala da negociação. Mas acabou debochando o senso comum, fazendo pouco do Senado e menosprezando os que respeitam a lei: assim, possivelmente adiará mais uma vez a aprovação de uma lei que, mesmo insatisfatória em muitos aspectos, obrigaria pelo menos o poder público a sair de vários anos de letargia e omissão, transcorridos sem qualquer ação, punição ou incentivo no tema florestal.

* Roberto Smeraldi, jornalista, é diretor da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e autor do Novo Manual de Negócios Sustentáveis (Publifolha, 2009)

Fonte: Observador Político

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