Novo relatório documenta os perigos da abordagem “negócio acima de tudo”
Um estudo aprofundado adverte que as novas barragens propostas para o maior rio da África Austral não estão suficientemente preparadas para resistir aos choques das mudanças climáticas. O resultado poderá ser barragens economicamente não viáveis, com um desempenho abaixo do esperado face às secas mais extremas, e que podem também constituir um perigo pois não foram projetadas para lidar com cheias cada vez mais destrutivas.
Atualmente, são propostos 13 000 megawatts de grandes hidroelétricas para o Rio Zambeze e seus afluentes. O relatório revela que as hidroelétricas já existentes e as que foram propostas não têm sido adequadamente avaliadas em relação aos riscos da variabilidade hidrológica natural (que é extremamente elevada no Zambeze), e muito menos em relação aos riscos inerentes às mudanças climáticas.
O Brasil está envolvido na construção de pelo menos uma grande barragem no Rio Zambeze. Foi concedido à Camargo Corrêa a construção e operacionalização da barragem Mphanda Nkuwa, um projeto onde os riscos climáticos não foram avaliados.
O Dr. Richard Beilfuss – um hidrólogo de renome com uma vasta experiência em assuntos relacionados com o Zambeze – fez uma avaliação dos riscos hidrológicos para as hidroelétricas da bacia. O quarto maior rio de África irá, no geral, enfrentar secas piores e cheias mais extremas. As barragens que estão atualmente a ser propostas e construídas serão negativamente afetadas, e o planeamento energético para a bacia não tem considerado medidas sérias para enfrentar estas enormes incertezas hidrológicas.
“Garantir a segurança energética e hídrica na bacia do Rio Zambeze para o futuro, exigirá novas maneiras de pensar em relação ao desenvolvimento da bacia hidrográfica,” afirma o Dr. Beilfuss. “Devemos evitar investir bilhões de dólares em projetos que podem vir a ser elefantes brancos.” As principais conclusões do relatório descrevem uma região que caminha em direção a um precipício hidrológico:
- Segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, a Bacia do Zambeze exibe os piores potenciais efeitos das mudanças climáticas, quando comparada às 11 principais bacias hidrográficas da África Subsaariana, e vai enfrentar a redução mais substancial da precipitação e de escoamento. Vários estudos estimam que a precipitação ao longo da Bacia vai diminuir na ordem dos 10-15%.
- Bacia irá, provavelmente, sofrer um aquecimento significativo e maiores taxas de evaporação no próximo século. Uma vez que as grandes albufeiras apresentam uma maior evaporação que os rios naturais, as grandes barragens podem piorar os défices locais de água (e reduzir a quantidade de água disponível para a energia hídrica). Atualmente, mais de 11% da média anual de escoamento do Zambeze é perdido através da evaporação a partir das albufeiras das grandes hidroelétricas. Estas perdas de água aumentam o risco de insuficiência na produção de energia, e afetam significativamente as funções dos ecossistemas a jusante.
- Os planos para dois dos maiores projetos de barragens para o Zambeze, as barragens de Batoka Gorge e de Mphanda Nkuwa, são baseados em arquivos hidrológicos históricos e não foram avaliados em relação aos riscos associados à redução do fluxo anual médio e de ciclos mais extremos de cheias e secas. Tendo em conta os futuros cenários climáticos, é improvável que estas estações hidroelétricas, baseadas em registros de fluxos do último século, forneçam os serviços esperados durante o seus tempo de funcionamento.
- A ocorrência de cheias mais extremas e freqüentes ameaça a estabilidade e segurança do funcionamento das grandes barragens. Os eventos de cheias extremas, característica natural do sistema do Rio Zambeze, têm causado mais prejuízos a jusante desde a construção das grandes barragens. Se as barragens são projetadas abaixo do suposto para grandes cheias, o resultado poderá ser graves riscos de segurança para milhões de pessoas que vivem na bacia.
- O Rio Zambeze já se encontra altamente modificado devido ás grandes hidroelétricas, o que tem vindo a alterar profundamente as condições hidrológicas que são de extrema importância para os meios de subsistência a jusante e para a preservação da biodiversidade. Os bens e serviços ecológicos fornecidos pelo Zambeze, essenciais para permitir que as sociedades se adaptem às mudanças climáticas, estão sob grave ameaça. Um estudo econômico recente estimou que o valor total anual dos serviços providenciados pelos ecossistemas dependentes do rio para a planície de inundação do Zambeze (o Delta do Zambeze) varia entre 930 milhões a 1.6 bilhões de Dólares Norte Americanos. O valor econômico da água dos serviços providenciados pelos ecossistemas a jusante excede o valor da água usada estritamente para a produção de energia hídrica. Estes serviços não estão sendo devidamente valorizados no planeamento de grandes barragens na bacia.
Rudo Sanyanga, a Diretora do Programa para África da International Rivers, diz: “As grandes hidroelétricas representam não apenas riscos econômicos, mas também riscos de adaptação. O continente africano tem sido identificado como o continente em ‘maior risco’ em relação às mudanças climáticas. Uma adaptação bem sucedida irá exigir novas formas de pensar sobre os recursos hídricos. Nós devemos atuar agora de modo a proteger os nossos rios como fontes de meios de subsistência e segurança alimentaria.” O relatório recomenda uma série de medidas para enfrentar a tempestade de mudanças hidrológicas que se aproxima, incluindo mudanças no modo como as barragens são planejadas e operadas (resumido num comunicado de imprensa de 2 páginas).
“Os responsáveis pela elaboração do plano de energia e os governos regionais devem reconhecer estes riscos hidrológicos e tomar medidas para melhorar o planeamento e gestão das grandes barragens na Bacia,” afirma Beilfuss. “No mínimo, as barragens existentes e as futuras devem ser submetidas a uma análise profunda em relação aos riscos climáticos.” O relatório inclui 11 recomendações de redução dos riscos climáticos para as barragens já existentes e propostas.
Leia o relatório: “Hydrological Risk and Large Hydropower in Southern Africa: Assessing risks, uncertainty, and consequences of Zambezi River Basin hydro-dependent power systems1,” por Dr. Richard Beilfuss.
Fonte: International Rivers
Comentários
Nenhum comentários.