Incentivos tributários federais para indústria, agropecuária, energia, e transportes pesam na balança das emissões de gases de efeito estufa, diz a pesquisa.
O Brasil avança na redução de emissões de gases de efeito estufa pela redução do desmatamento, mas as emissões de dióxido de carbono equivalente dos setores de energia e agropecuária aumentaram 41,5% e 23,8% entre 1995 e 2005, e 21,4% e 5,3% entre 2005 e 2010, respectivamente. Juntos, os dois setores representam 67% das emissões nacionais, mas são, ao mesmo tempo, grandes beneficiários da política tributária do governo. A renúncia fiscal referente aos gastos tributários para energia aumentou na última década (2004-2013). A taxa de crescimento foi de 69% ao ano, depois de 2001, enquanto que no setor de agricultura foi de 38%. No setor automobilístico, a taxa foi de 18% ao ano.
Os dados estão no estudo Pegada de Carbono da Política Tributária Brasileira apresentado hoje em Brasília durante o seminário Política Tributária e Sustentabilidade – Uma plataforma para a nova economia,realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, Instituo Ethos e a Comissão de Assuntos econômicos do Senado. O estudo é o primeiro esforço científico na tentativa de mapear os impactos das políticas tributária do governo no quadro geral das emissões de gases causadores das mudanças climáticas. E a pegada é significativa, garantem os autores.
Transportes e energia
Entre 2011 e 2012, o consumo de combustíveis no setor de transportes cresceu 7,6%, enquanto que as vendas de veículos leves aumentou 4,6% neste mesmo período. O IPI-veicular não seria suficiente para impulsionar este consumo de combustíveis, mas a análise da renúncia fiscal da CIDE-combustíveis, expressa em termos de arrecadação (renuncia de mais de R$8bi somente em 2013), revela que existe forte correlação desse consumo e das emissões do setor com a CIDE, especialmente após a crise econômica mundial de 2008.
De acordo com a pesquisa, o aumento dos gastos tributários referentes ao IPI no setor automobilístico apresentam correlação de 97% com o crescimento da frota e correlação de 85% com o aumento de emissões veiculares brasileiras para os anos de 2007 a 2012.
No setor de energia, os gastos tributários referentes à isenção de PIS/PASEP e COFINS incidente sobre a compra de gás natural e carvão mineral dentro da modalidade termoeletricidade chamaram a atenção dos pesquisadores. Em 2012, a geração termoelétrica atingiu seu pico de 137.156 Gwh, ao mesmo tempo em que a participação do carvão e do gás natural também cresceu a 42% (57.630 Gwh).
No entanto, quando se compara a média das renúncias fiscais e produção de eletricidade para gás natural e carvão no período 2004-2007 e 2009-2012, observa-se uma forte tendência. Em 2004-2007, a média dos gastos tributários foi de R$ 120 milhões/ano, enquanto que, para o mesmo período, a média de produção termoelétrica foi de 68.485 Gwh/ano e 24.357 Gwh/ano para geração a gás e carvão.
A pesquisa observa ainda que houve crescimento de 82% das renúncias fiscais entre 2008- 2012 com relação ao período anterior, com média neste período de R$219 milhões/ano, e este aumento refletiu na média de produção termoelétrica, que aumentou cerca de 52%, 104.318 Gwh/ano para termoelétricas em geral, e 53%, 37.339 Gwh/ano, geração a gás natural e carvão mineral.
Seguindo a mesma tendência, as emissões de termoelétricas a gás natural e carvão cresceram neste mesmo período de renúncia fiscal, uma vez que a média de emissões de GEE em 2004-2007 foi de 3 milhões de ton CO2 eq, e em 2008-2012, de 3,6 milhões de ton CO2 eq, um crescimento de 18,6%.
No campo
De acordo com o estudo, a atividades agropecuárias com maior participação nas emissões, em termos de CO2 equivalente, foram a criação de gado (56.4%) e solos agrícolas (35.2%) em que a utilização de fertilizantes sintéticos desempenha papel importante, já que é responsável por aproximadamente 15% das emissões de N2O (óxido nitroso).
Entre 2006 e 2010, os gastos tributários voltados para o setor de agricultura aumentaram em 62% e alcançaram mais de R$ 12 bilhões em 2012. “Embora os dados referentes a tais gastos não permitam calcular o volume de recursos voltados especificamente para as três culturas [soja, milho e cana de açúcar], podemos inferir que a redução a zero de alíquotas de PIS/PASEP e COFINS neste setor contribuiu para a expansão destas culturas e para a aumento do consumo de fertilizantes sintéticos”, afirma o estudo.
O subsetor da agricultura em que mais houve aumento das emissões no período foi o de fertilizantes sintéticos, utilizados primordialmente nas três culturas e no café (74% do total consumido). A análise da correlação estatística entre gastos e consumo de fertilizantes realizada no estudo aponta uma forte relação entre as renúncias fiscais e o aumento da utilização deste insumo.
“Se, por um lado, o governo tem feito esforços para fomentar agricultura de baixo carbono, por outro, as renúncias fiscais na importação e comercialização de fertilizantes servem de estímulo à expansão de área dos três maiores commodities agrícolas do país e à maior utilização de fertilizantes na sua produção”, destaca o coordenador do estudo.
Apesar do papel primordial dos fertilizantes para o aumento da produtividade no setor agrícola, estudos recentes indicam que o aumento do seu consumo ocorreu desproporcionalmente em relação ao aumento da produtividade e não resultou no estímulo à eficiência produtiva e à redução de emissões no setor.
Conclusões
Este estudo demonstra, com dados atuais e oficiais, que a política tributária brasileira não atende ao que estabelece o artigo 170, VI da Constituição que, em função da Emenda Constitucional 42 de 2003, determina:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado [dentre outros previstos nos incisos de I a IX] o princípio da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”
A coerência da política tributária para com outras políticas importantes voltadas ao desenvolvimento sustentável como a Política de Mitigação das Mudanças Climáticas deve ser exigida do governo, recomenda o estudo. Questões como os impactos dos incentivos tributários nas metas de redução de emissões de CO2 e critérios socioambientais para que os benefícios sejam apropriados são pertinentes, embora sejam ignoradas.
É fundamental que os dados de incentivos tributários da Receita Federal sejam desagregados por setores da economia (por atividades econômicas do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas) e estejam disponíveis para que a sociedade possa conhecer e avaliar os impactos (positivos ou negativos) das políticas tributárias do governo federal sobre o meio ambiente e as emissões de CO2.
Atividades econômicas sustentáveis geradoras de empregos tais como aquelas associadas aos serviços ambientais (recuperação, uso sustentável e manutenção de florestas), manejo florestal (madeireiro e não madeireiro), ecoturismo, uso sustentável de produtos da biotecnologia, agroecologia, energias renováveis (solar, eólica), veículos elétricos, transportes coletivos com matriz energética de baixas emissões, dentre outras devem receber fortes incentivos tributários em substituição gradativa aos incentivos atuais voltados para atividades altamente emissoras e intensivas em uso de recursos naturais.
Fonte: IPAM