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Consumidor não consegue rastrear carne bovina no Pão de Açúcar

Embora supermercado afirme que 100% do produto pode ser rastreado em seu site, testes realizados por PÁGINA22 detectam inúmeras falhas no programa

Selo do Programa Qualidade desde a Origem, com código numérico que não funciona no site

Aparentemente, o Grupo Pão de Açúcar (GPA), controlado pelo francês Casino desde 2012, mantém o mais completo sistema de rastreabilidade de carne bovina do varejo brasileiro.

Em março de 2013, o GPA anunciou que a abrangência do Programa Qualidade desde a Origem (QDO), que rastreia também frutas, legumes e verduras, passaria a englobar 100% da carne bovina vendida nas lojas Pão de Açúcar e Extra, somando 615 supermercados em todo o território brasileiro. As carnes da marca Taeq, exclusivas do Pão de Açúcar, já são totalmente rastreadas desde 2007.

O Programa oferece ao consumidor a possibilidade de checar a origem dos produtos no site, acessando informações como fornecedores, fazenda originária, município e curiosidades sobre as propriedades nutricionais da carne. No caso das carnes Taeq, também é possível acessar o conteúdo por meio de um QR Code para celular.

Teoria versus prática

Na prática, contudo, verificamos nas gôndolas inúmeras dificuldades que o consumidor pode encontrar ao tentar averiguar a origem da carne que está consumindo. A mais grave é que muitos códigos de rastreamento não são reconhecidos pelo site.

Ausência de código nas embalagens, informações divergentes, dificuldade para acessar o número do SIF (Serviço de Inspeção Federal) em algumas carnes e site desatualizado completam a lista de percalços encontrados nos testes que a reportagem de PÁGINA22 realizou em duas das mais movimentadas lojas do Pão de Açúcar no Brasil – as unidades Ana Rosa e Teodoro Sampaio, localizadas nas zonas sul e oeste de São Paulo, respectivamente.

A assessoria de imprensa diz que a seção de carnes do site do QDO passará em breve por uma atualização, mas que “a consulta de rastreabilidade opera normalmente”.

Para Roberto Smeraldi, fundador da Oscip Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e especialista em sustentabilidade na pecuária brasileira, este é “possivelmente mais um exemplo – como muitos, tanto no setor público quanto privado – de cronogramas de anúncio e de implementação não harmonizados”.

Abaixo, entenda como foram os testes e confira o posicionamento oficial do Grupo Pão de Açúcar, enviado por email (transcrição na íntegra dos trechos entre aspas, sem quaisquer alterações):

Teste Loja Pão de Açúcar Ana Rosa

Problema 1
No dia 28/01, a reportagem coletou código de uma carne da marca Taeq, que oficialmente é rastreada desde 2007. Este, porém, não foi reconhecido pelo sistema do site, que apresentou a seguinte mensagem: “Não foi possível encontrar informações sobre o código”.

Resposta oficial: “Trata-se de um fato pontual, cujo problema foi identificado e já solucionado. Para aprimorar o processo de cadastro da rastreabilidade no sistema, o GPA desenvolveu em novembro de 2013 no sistema do Programa, atualmente em teste em três plantas frigoríficas, permitindo que o lote seja registrado automaticamente e disponibilizado imediatamente para consulta no site do Qualidade Desde a Origem”.

Comentário da reportagem: a repórter voltou à loja Pão de Açúcar Ana Rosa e coletou mais 4 códigos de carnes da marca Taeq. Nenhum dos quatro foi reconhecido pelo sistema.

Problema 2
Em relação às carnes de marcas variadas, o funcionário que se encontrava no açougue do supermercado informou que estas não podem ser rastreadas. Apenas as carnes Taeq recebem código de rastreamento. Ele explicou que as carnes Taeq são sempre acondicionadas em uma bandeja branca e as carnes das demais marcas em bandeja preta.

Resposta oficial: “A informação do colaborador está correta: apenas a carne Taeq recebe o QR Code. Porém, ao contrário do que ele afirmou, todas as carnes bovinas comercializadas no Extra e no Pão de Açúcar são rastreadas. Nesses casos, o cliente pode ter acesso ao lotes de fazendas de origem pelas informações da embalagem à vácuo, digitando no site o SIF e a data de abate. Os colaboradores da loja já foram reorientados quanto às diretrizes do QDO e estudamos formas de viabilizar um novo treinamento às equipes de vendas”.

Comentário da reportagem: Nas lojas Pão de Açúcar, há carnes que são vendidas em bandejas e outras que são comercializadas a vácuo. As de bandeja compreendem as carnes da marca Taeq (bandejas brancas) e carnes de marcas não identificadas (bandejas pretas). Essas carnes são cortadas e embaladas com plástico e isopor nos próprios supermercados. Já as carnes embaladas a vácuo são as carnes de marcas nacionais ou internacionais vendidas como peças inteiras. Fica claro, na narrativa do teste enviada pela reportagem ao Pão de Açúcar, que estamos tratando das carnes embaladas nos próprios supermercados, ou seja, nas bandejas pretas. Sobre essas carnes, as dúvidas não foram esclarecidas pelo Grupo.

No entanto, para checar a informação passada pela assessoria de imprensa, a repórter retornou ao supermercado e coletou três números de SIF de carnes embaladas a vácuo (marcas Swift, Gold Meat e Barra Mansa). Novamente, o site não reconheceu a sequência de números digitados. É importante mencionar que não há no site qualquer referência à possibilidade de digitar o número/data do SIF para obter as informações.

Teste Pão de Açúcar Teodoro Sampaio

Problema 1
No dia 03/02, o teste foi ainda menos exitoso. Na seção Carnes, nem mesmo as carnes Taeq continham selo do Programa Qualidade desde a Origem ou qualquer código para consulta. Havia apenas duas bandejas Taeq com selo, ambas com o mesmo código, o que mostra que provavelmente advêm do mesmo lote. Mais uma vez, porém, o código não foi reconhecido pelo sistema do site. Questionado sobre a inexistência dos códigos de rastreamento nas carnes Taeq, um funcionário da seção Carnes explicou que elas estavam sem selo provavelmente porque o próprio lote veio sem as identificações. Segundo ele, os selos vêm nas caixas dos lotes e são colocados pelos próprios funcionários no momento em que cortam e embalam as carnes.

Resposta oficial: “É comum o mesmo lote estar em diversas lojas do GPA. Semanalmente uma fazenda abate um lote grande no qual distribuímos pelos super e hipermercados. Para evitar problemas operacionais, como o observado na loja Pão de Açúcar Teodoro Sampaio, em que as etiquetas não foram colocadas nas bandejas, o GPA testa um processo para enviar para as lojas as carnes Taeq já bifadas e devidamente etiquetadas. Enquanto isso, a equipe responsável pelo açougue da loja citada foi reorientada quanto ao padrão operacional exigido pela companhia no que diz respeito à etiquetagem das carnes Taeq. Vale reforçar ainda que toda a caixa com a carne Taeq é recebida pela loja com o QR Code com a origem”.

Problema 2
Em relação às carnes de outras marcas, o funcionário explicou que elas não podem ser rastreadas (como também disse o funcionário da loja Ana Rosa). A repórter perguntou se era possível ter acesso ao número do SIF de uma dessas carnes e ele explicou que não, uma vez que o número do SIF vem marcado apenas nas caixas que acondicionam as carnes e não é marcado em cada uma das bandejas, individualmente, após a separação.

Resposta oficial: “Essa etiqueta vem dentro do vácuo, uma vez tratar de uma obrigação legal dos frigoríficos. Portanto, qualquer peça à vácuo vai conter estes dados para conferência. Os colaboradores da loja já foram reorientados quanto à informação e a importância de informá-las aos clientes”.

Comentário da reportagem: A reportagem referiu-se às carnes embaladas em bandejas pretas, não às carnes embaladas a vácuo. Em contato anterior ao email enviado sobre os testes feitos pela reportagem, a assessoria explicou que “no caso das bandejas, se esses números não estão na embalagem, o cliente pode solicitar ao açougueiro responsável da seção”. A reportagem seguiu essa orientação e não obteve êxito. Ainda resta clareza sobre o rastreamento das carnes que são cortadas e embaladas nos supermercados e não recebem qualquer código ou número de SIF para que o consumidor possa rastreá-las.

Vale dizer ainda que o site traz um link exclusivo para rastreamento de produtos a granel, que, segundo a assessoria, são as carnes já fracionadas nas gôndolas. O link remete a um sistema que filtra as informações por Estado e categoria de produto, não por código. Essa diferenciação também pode gerar dúvidas no consumidor na hora de executar o rastreamento no site, como gerou na equipe de reportagem.

Por: Lydia Minhoto Cintra
Fonte: Página 22
Colaborou José Alberto Gonçalves Pereira

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