Antônio nobre é um dos mais respeitados nomes entre os especialistas em clima e serviços ambientais no Brasil. Seus estudos mostram que a Amazônia não é apenas uma mancha verde nos mapas da América do Sul, mas é responsável pela umidade que coloca as regiões Sul e Sudeste do Brasil entre as mais férteis do mundo. Nobre quantificou a água que a Amazônia bombeia para o Sul: são 20 bilhões de toneladas, mais do que os 17 bilhões de toneladas que o Rio Amazonas despeja no Atlântico diariamente. Por suas contas, esse rio voador é o maior do mundo, resvala nos Andes, preenche de vida o Pantanal e irriga as terras férteis do Brasil e de países vizinhos. Observador atento da realidade vê riscos no avanço desordenado sobre a floresta e aponta como argumento o mapa-múndi, onde, na linha do Trópico de Capricórnio – que atravessa São Paulo – existem desertos na África, na Oceania e na margem Ocidental da América do Sul (o Atacama, no Chile, é uma das regiões- mais secas do mundo). Só a Amazônia explica por que o Sudeste brasileiro não é, também, uma das regiões mais áridas do planeta. Nesta entrevista Nobre fala sobre a importância de se compreender a relação entre os serviços prestados pela natureza e a economia humana. Para ele não há como a humanidade sobreviver, caso seja rompido o equilíbrio entre a o uso dos recursos naturais e a capacidade- de regeneração do ambiente.
Dal Marcondes – O que significam de fato os serviços ambientais e qual a sua relação com a capacidade de o Brasil ser esta economia complexa que é?
Antônio Nobre: A noção de serviços ambientais é bastante simples: sem eles não existiria vida. Um paralelo que se pode fazer é das células do corpo humano. Sem a especialização de cada uma das células não seria possível ao organismo funcionar. A relação da Amazônia com o resto do Brasil e da América do Sul é igual. Cada bioma presta serviços ambientais importantes para o equilíbrio do clima e do sistema hídrico da região. A umidade que a Amazônia capta no oceano serve para manter a vida e as atividades econômicas do Sul e Sudeste. Sem esse fluxo não haveria a riqueza gerada pelo agronegócio e não seria possível ter as indústrias. A biosfera, que é a região que alimenta e mantém a vida, é muito pequena e frágil em relação às outras forças que agem sobre a dinâmica do planeta. É um engano acreditarmos que podemos substituir os serviços ambientais que interagem na biosfera por processos tecnológicos. Não daria certo.
DM: E como se dá a interação desses elementos que formam os serviços ambientais?
AN: A vida tem um elemento interessante e único. Para fazer um chip de silício capaz de funcionar em processos de comunicação é preciso muita energia. Quase 3 mil graus para purificar e formar o chip, enquanto as células vivas fazem a mesma coisa a custo quase zero de energia, processando energia solar ou de alimentos orgânicos. Com outra vantagem fantástica: as células se reproduzem e nunca se ouviu falar de um iPhone que teve um filhotinho. E as células têm um sistema adaptativo absolutamente fantástico, capaz de mudar de acordo com as circunstâncias. A comunicação na natureza significa basicamente coordenação entre os muitos atores e fatores ambientais. A tecnologia humana normalmente não interage com o entorno, ao contrário dos elementos vivos, que têm relação sistêmica com o ambiente.
DM: Como assim?
AN: Na Amazônia, por exemplo, uma onça que come uma paca está ajudando as árvores. A paca pega o fruto ou a semente e não fica comendo debaixo da árvore porque sabe que pode ter onça de tocaia. A onça sabe o que a paca come. Com isso, as sementes das árvores são largadas longe da árvore-mãe, disseminando a espécie. Em quase todas as sinergias dos organismos vivos existe uma relação de causa e efeito e de colaboração. No caso da chuva na Amazônia, existe uma ligação entre as nuvens e a floresta, uma troca de informações e de microelementos. Quando as cinzas das queimadas poluem o ar da floresta, impede-se essa troca. Assim, cria-se um círculo vicioso, onde queima porque não chove e não chove porque queima. Por isso, quando entramos em um ciclo de seca e queimada, como no inverno deste ano, demora para romper essa relação e retomar a normalidade.
DM: Não dá para induzir os serviços ambientais da floresta?
AN: A Amazônia é uma gigantesca bomba d’água. A evaporação precisa do sol para acontecer. Calculamos quanta energia seria necessária para evaporar toda aquela água. De quantas Itaipus precisaríamos para evaporar um dia de água da Amazônia? Precisaríamos de 50 mil Itaipus a plena carga. Ou seja, não há tecnologia humana capaz de fazer isso. No entanto, essa é a mesma água que possibilita a produção nos imensos campos de soja, onde não se contabiliza os custos desses serviços ambientais. Uma vez, questionei o ex-governador Blairo Maggi, de Mato Grosso, e perguntei se ele sabia que a floresta era responsável pelo principal insumo do agronegócio, a água. A resposta me surpreendeu: “Os cientistas já provaram isso?” Essa é a atitude que compromete o futuro em benefício de resultados imediatos. Os serviços ambientais são de graça, não porque não têm valor, mas porque essa economia cartesiana que ainda acredita em sistemas infinitos simplesmente ignora o que não é explícito. Quando o sistema não funciona mais, o custo para fazer com tecnologia é extremamente caro.
DM: Mas há cientistas que pensam diferente…
AN: Sim, têm cientistas que trabalham para a Exxon. Também há políticos como o senhor Aldo Rebelo que querem retirar a floresta. E a esses tem sido dedicado um espaço maior do que merecem. Os custos disso ficam depois para a sociedade. Esses argumentos foram utilizados pela indústria do tabaco, quando se perguntava se fumar faz mal ou não para a saúde. Como se enfrenta o poder econômico de uma Exxon? No Brasil, a Petrobras vai gastar 300 bilhões de dólares para tirar do fundo do mar uma energia do século XIX. Com esse dinheiro poderíamos ter uma energia limpa de alta qualidade, e não estou falando de álcool combustível, que também não resolve. Poderíamos desenvolver uma nova sociedade, com base em energia solar. Têm cientistas que agem por má-fé, mas também tem má ciência.
DM: Há duas correntes científicas sobre os serviços ambientais da Amazônia. Uma delas diz que a umidade vem do Atlântico, atravessa a floresta e irriga o Sul-Sudeste por meio dos ventos alísios. É parte da dinâmica de ventos do planeta. Outra, que o senhor defende, é que a floresta tem um papel vital como bomba hidrológica e que sem ela quase todo o Sul-Sudeste se transformaria em deserto.
AN: A meteorologia não considera o fato de que a condensação de água na floresta gera sucção. É uma ciência muito contaminada pela parte empírica observacional. É por isso que os modelos estão falhando, porque não são modelos baseados na física; a maior parte é estatística. A Amazônia é um paradoxo: como o vento pode soprar continuamente de uma superfície quente para outra mais fria? Isso viola a termodinâmica. Estudos físicos feitos por cientistas russos mostram que há dados que os meteorologistas não dimensionaram e não estão sendo capazes de aceitar a novidade. Eu professo um compromisso com a verdade, e não com versões que interessam a este ou àquele. A pesquisa física mostra que a evaporação na floresta cria energia latente e não calor latente. Os meteorologistas dizem que é calor latente, e isso é um dogma. Se fosse calor, o processo de condensação nas nuvens liberaria calor, o que não é verdade, libera pressão. Isso mostra o papel de bomba hidrodinâmica da Amazônia, e que pode ser interrompida se as forças em ação se desequilibrarem. Os climatologistas têm uma medição estatística do clima, sem comprovação física.
DM: O que teria de mudar para se construir uma economia mais amigável com o meio ambiente?
AN: A principal coisa a mudar deveriam ser as próprias pessoas. É muito mais barato preservar as condições ambientais de forma a evitar tragédias do que remediar e ter de reconstruir infraestruturas e patrimônios. No entanto, as pessoas não pensam em garantir o bem-estar da sociedade como um todo, mas, sim, em garantir apenas seus bens particulares. Um exemplo disso é o seguro que cada um faz de seu carro. Costumo ouvir que essa é uma forma de preservar algo que lhes pertence, enquanto gastar com a preservação dos serviços ambientais é pagar pela garantia de bens comuns, que não têm dono, portanto, não sendo de ninguém. Enquanto acreditarmos que bens comuns não são de ninguém e que serviços ambientais não valem nada e, consequentemente, não têm preço, não vamos mudar a forma como a economia age. Os serviços ambientais não têm preço, porém, a falta deles é profundamente catastrófica para qualquer modelo de economia que se tenha.
Por: Dal Marcondes
Fonte: Envolverde