Na sexta-feira, 4 de dezembro, a sala mais concorrida em Le Bourget não reunia negociadores de países-chave debatendo o acordo climático que seria fechado oito dias depois, mas um empresário e um banqueiro acomodados em um palco espaçoso. Por uma hora, o canadense Mark Joseph Carney, presidente do banco central britânico, o Bank of England, falou com o empresário e ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, sobre os riscos da mudança do clima no mercado de capitais. O público escutava atentamente. “O governo chinês será o mais ambientalmente ativo do mundo”, profetizava Bloomberg. Carney, por sua vez, olhou para os CEOs, ministros de finanças e investidores e disse, sem rodeios, que seria legítimo perguntar às empresas: “Qual sua estratégia para o ‘net zero’?” Foi neste momento, na CoP-21, que o ambientalismo finalmente encontrou a economia.
Carney, que preside o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), incorporou a narrativa comum a ativistas do Greenpeace e do WWF e citou com propriedade um dos termos que rodearam os 13 dias da conferência sobre mudança do clima das Nações Unidas. “Net zero”, “descarbonização” ou “neutralidade climática” querem dizer mais ou menos a mesma coisa dependendo do quanto quem usa a expressão gosta ou não de energia nuclear, vem de uma economia dependente de carvão, confia na capacidade redentora de programas de reflorestamento ou acredita que tecnologias futuras irão compensar as emissões de gases-estufa e salvar a todos.
Carney não estava vestido de urso panda nem escalou a Torre Eiffel pintado de verde ao descrever uma ponta do mundo em mutação. Foi mais banqueiro do que nunca ao sugerir que está mais do que na hora de as empresas traçarem um plano para que suas emissões de gases-estufa sejam, um dia, próximas a zero ou compensadas de modo que a conta líquida entre o que se emitiu e o que se compensou dê zero.
Então alguém perguntou como deveriam fazer as empresas de petróleo, gás ou carvão. Foi a vez de Bloomberg ser enfático: “A Philip Morris proibiu o fumo em seus escritórios. As empresas que produzem petróleo vão ter que entender que têm um negócio para tocar e que vivem no mundo, e encontrar um jeito de equilibrar estas coisas.”
O debate em torno do movimento de desinvestir em combustíveis fósseis, questionar estes investimentos ou descobrir quanto da carteira está aplicada em ativos do gênero já acontece há anos no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Ali se discute há anos o risco dos “stranded carbon assets”, ou seja, os ativos em petróleo, gás ou carvão que podem ficar encalhados, já que os cientistas indicam que mais de 70% das reservas de fósseis conhecidas têm que ficar no solo se quiser limitar o aquecimento global a 2°C neste século. Para alguns analistas, isso vai acontecer – a única dúvida é quando.
Este teria sido um dos motivos de os ministros das Finanças terem pedido, em abril, ao FSB (responsável por investigar as fraquezas do sistema financeiro internacional depois da crise de 2008) que coloque a mudança do clima em seu radar e avalie o risco dos ativos em combustíveis fósseis em uma economia de baixo carbono. Como se vê, este debate no setor financeiro global e no mundo dos negócios é muito mais profundo e intenso do que, digamos, publicar relatórios de sustentabilidade e achar que se fez muito. A roda do clima está andando, o acordo climático é só a bússola.
Os preços do petróleo não param de cair e ontem atingiram seu valor mais baixo em 11 anos. As análises mencionam a grande oferta como causa. É difícil e prematuro estabelecer conexões entre esta tendência e o acordo climático de Paris, mas tudo isso, somado, sugeriria prudência nos planos de expandir a produção de petróleo no Brasil, especialmente no pré-sal. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), disse ao repórter Rodrigo Polito: “Só é possível retirar o petróleo [da matriz energética] quando se resolver o problema do transporte, se houver uma massa de carros elétricos. Isso virá, mas não antes de 2050”. Ele indica que essa transição só deve ocorrer em cerca de 70 anos.
Oswaldo Lucon, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, discorda desta visão. O cientista diz que os investimentos no pré-sal são arriscados e vultosos e que há uma grande oportunidade para o país desenvolver uma indústria nacional diferente, que privilegie os biocombustíveis de segunda geração, veículos elétricos, equipamentos fotovoltaicos. “Praticamente não temos políticas de transporte, indústria e consumo baseadas em eficiência”, reforça. “O travamento infraestrutural que o pré-sal e a ineficiência geral trazem compromete o que o Brasil declarou em Paris.”
Discutir o pré-sal também é ponto defendido por Suzana Kahn, presidente do Painel Brasileiro de Mudança Climática, que reúne 300 cientistas e é uma versão nacional do braço científico das Nações Unidas, o IPCC. ” Para entrarmos realmente neste trilho, na economia de baixo carbono, que é diferente do passado, precisaríamos estar com um governo forte, mas a nossa é uma situação muito fragilizada”, diz Suzana. “Não é que não tenhamos competência, mas é fundamental termos uma articulação entre todos os ministérios para conseguirmos fazer esta transformação. E estamos sem maestro”, opina. A crise política e econômica brasileira cria um ambiente inseguro, que não permite que a transição aconteça. “O mundo todo está discutindo o fim dos subsídios aos fósseis, o desinvestimento. Mas só um governo forte tem condições de promover este debate.”
Roberto Waack, presidente do conselho da Amata e da aliança de 100 empresas, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil reunidos na Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, ficou surpreendido na CoP-21 com o discurso dos grandes fundos de pensão, tradicionalmente conservadores em seus investimentos. “Agora, eles dizem, o risco é não investir em tecnologias emergentes. Não se pode mais ignorar que o mundo está indo para o baixo carbono, a sinalização é muito forte”, constata. ” O risco agora é perder o momento.” Para o empresário, “a CoP-21 marca um ponto de inflexão na curva.”
Daniela Chiaretti é repórter especial.
Fonte: Valor Econômico