Para coordenadora do Instituto Socioambiental, Projeto de Lei que acelera licenciamento de grandes obras favorece interesses privados em detrimento da gestão ambiental
Desde agosto do ano passado, quando o governo e senadores apresentaram a Agenda Brasil, um pacote de medidas proposto pelo PMDB para recuperar a economia, o Senado Federal trabalha para aprovar diversos projetos de lei à toque de caixa. No entanto, boa parte dessas propostas coloca o meio ambiente como um entrave para o desenvolvimento econômico, como é o caso do Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015.
Aprovado na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, o PLS 654 é de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR) e propõe a flexibilização do processo de licenciamento ambiental. A matéria aguarda votação do plenário do Senado em regime de urgência.
O projeto instaura o licenciamento ambiental “a jato” (também chamado de fast-track) para obras que o governo considera prioritárias, ou seja, grandes hidrelétricas na Amazônia, rodovias, portos entre outras obras de infraestrutura. Segundo o texto, o órgão licenciador terá 60 dias para analisar o projeto e os estudos ambientais. Depois de solicitar os esclarecimentos necessários, terá mais 60 dias para decidir sobre a obra. Vale lembrar que não há exigência de consultas públicas às comunidades afetadas, uma grave afronta aos direitos garantidos na Constituição Federal.
Assim, todo o processo levaria entre sete e oito meses. Segundo Nilo D’Ávila, coordenador de campanhas do Greenpeace Brasil, o licenciamento atual, que já apresenta uma série de problemas, como se pôde observar no processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, leva cerca de três a cinco anos. “Reduzir esse tempo de análise pode levar a riscos semelhantes à tragédia que se abateu sobre Mariana, em Minas Gerais, com mais de 660 km de rios tomados pela lama de rejeito mineral e 17 mortos”, defende D’Ávila.
O governo planeja instalar mais de 40 hidrelétricas em toda a Amazônia. Só no rio Tapajós, no Pará, a intenção é fazer um complexo de sete usinas, incluindo a de São Luiz do Tapajós, cujo reservatório alagará 729 km2 de floresta, colocando em risco a vida e o território de povos indígenas e comunidades tradicionais, como o povo Munduruku.
Membro do Instituto Socioambiental (ISA) desde 1995, Adriana Ramos hoje é coordenadora de Política e Direito da instituição e crítica ferrenha da lógica de crescimento que não leva em conta o desenvolvimento socioambiental. Para ela, o fato de se ter um processo rápido de licenciamento não significa que o impacto desaparecerá. “Pelo contrário. Isso tem muito a ver com a [Operação] Lava Jato e o discurso do governo de que é preciso retomar grandes obras de infraestrutura para atrair investimentos”, disse ela em entrevista ao Greenpeace. Segundo o Ministério Público do Pará, oito das nove empresas interessadas no processo de licenciamento da Usina de Tapajós são alvos da investigação da Polícia Federal.
Leia a seguir os principais trechos da conversa com a ativista:
Após as experiências problemáticas com o licenciamento ambiental de Belo Monte, como você acha que esse novo processo “a jato” de licenciamento pode influenciar na construção de hidrelétricas como a de São Luiz do Tapajós, no Pará?
É um desastre você ter um licenciamento com menos capacidade de estabelecer condicionantes e de prever os impactos de uma obra desse tamanho. Na minha opinião, a tendência é que se agrave a situação de judicialização das obras. O processo minimiza o esforço de avaliação dos impactos previstos e tende a gerar uma situação de não equacionar devidamente o legado socioambiental. É um problema sério porque você está gerando uma situação em que o problema não desaparece. O fato de você ter um processo rápido de licenciamento ambiental não significa que o impacto desaparecerá. Pelo contrário, vai ser maximizado.
Quando fala em judicialização, você se refere a que exatamente?
Judicialização em relação aos impactos sobre as comunidades, municípios e também sobre as instituições do governo. Os órgãos do governo que participam do licenciamento, como a Funai [Fundação Nacional do Índio], terão um prazo de dez dias para apreciar a obra. Se não fizerem a tempo, fica decidido automaticamente por sua aprovação. Com certeza vai gerar processos.
Mas minha principal preocupação é em relação às comunidades e municípios que não serão mais consultados. Em Belo Monte, por exemplo, tem questões que dizem respeito a diferentes esferas como o municipal, estadual e federal, além do privado. O esgoto da cidade de Altamira, por exemplo, não foi concluído antes da Licença de Operação. A empresa transfere a responsabilidade à prefeitura e vice-versa. Isso está judicializado.
Como pode o governo discutir esse tema três meses após o acidente que ocorreu em Mariana?
O governo tem fragilizado o processo de licenciamento há muito tempo. A discussão que se faz agora só demonstra a falta de preocupaça do governo em não melhorar a questão ambiental e facilitar vida dos empreendedores. Por conta do acidente em Mariana, os senadores retiraram os empreendimentos de mineração do projeto, voltando agora exclusivamente para obras de infraestrutura.
Mesmo assim, demostra que o governo não está sabendo trabalhar na perspectiva de uma melhor gestão ambiental, e sim na perspectiva de interesses externos. Isso tem muito a ver com a [Operação] Lava Jato e o discurso do governo de que é preciso retomar grandes obras de infraestrutura para atrair investimentos.
Quais lições podemos tirar do acidente de Mariana e aplicar no processo de licenciamento de hidrelétricas na Amazônia?
O acidente mostra que a questão da prevenção tem que estar muito mais forte na gestão ambiental, com vistorias e mais participação do poder público nos empreendimentos. O maior problema de Belo Monte foi o não cuprimento das condicionantes, e isso tem muito a ver com a falta de vistorias de campo por parte dos órgãos públicos. Isso dificulta muito indicar responsáveis a tempo.
Pressione seu Senador a se posicionar contra a proposta. Escreva um e-mail ou ligue em seu gabinete. Cobre seus direitos de eleitor e cidadão pedindo mais responsabilidade e cautela ao seu candidato.
Fonte: Greenpeace