Brasil saiu da conferência bem na foto mas há ceticismo quanto à sua liderança
Passados três meses da festejada Conferência do Clima de Paris, a pergunta que ronda a cabeça de todos os brasileiros que se envolveram com o processo deve ser a mesma: o acordo firmado será colocado em prática e mudará a realidade em que vivemos? Ajudará o Brasil a descarbonizar sua economia e transformar nossas cidades em locais mais saudáveis, seguros e agradáveis de viver?
Em síntese, o Acordo de Paris tem por objetivo limitar o aquecimento do planeta a uma temperatura bem abaixo dos 2º C, assumindo os 195 signatários os esforços para restringir o aumento a 1,5°C. Para atingir esse objetivo, será necessário reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), o que significa parar de queimar combustíveis fósseis como petróleo e carvão e aumentar a participação de fontes de energia renováveis, como solar, eólica e biomassa em nossa matriz elétrica. Métodos de produção industrial, agrícola e pecuária precisarão mudar. O desmatamento, hoje condenado, mas ainda tolerado, precisará acabar.
Se na esfera internacional se pode dizer que a discussão sobre mudanças climáticas deixou o terreno do “o quê” para o “como”, há, ainda, muito trabalho a ser feito para incorporar os preceitos de Paris na implementação de políticas públicas, nas decisões de investimento e no dia a dia no Brasil. A transição para um mundo de carbono neutro e adaptado às mudanças do clima precisa começar a se intensificar agora.
O Brasil exerceu liderança positiva e mediadora nas negociações do clima, tendo assumido o desafio de destravar os embates em torno da diferenciação das obrigações e contribuições entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Além disso, no apagar das luzes, aderiu à Coalizão de Alta Ambição, um dos principais impulsionadores da aspiração de limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau, objetivo que terminou consagrado no acordo.
Sua iNDC (Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês) foi construída a partir de um extenso e participativo processo de consulta pública e, mesmo não representando o máximo de ambição que o país pode oferecer, foi uma das poucas contribuições que abrangem medidas de mitigação de GEE absolutas e para toda a economia.
Se o Estado brasileiro saiu de Paris “bem na foto”, ainda há grande ceticismo sobre se essa liderança internacional se traduzirá em ações efetivas que guiarão a estratégia de desenvolvimento socioeconômico do país.
Mesmo no nosso atual contexto de polarização ideológica e dificuldade generalizada de vislumbrar perspectivas positivas para o país, a implementação do Acordo de Paris deveria ser encarada como uma das melhores chances para o Brasil, na prática, começar a construir as bases para um modelo de desenvolvimento estratégico, sustentável e com visão de longo prazo.
Alice Amorim é advogada e sócia do Gestão de Interesse Público, Pesquisa e Consultoria (GIP)
Fonte: O Globo