Mais de um milhão de cabeças de gado morreram este ano na Mongólia durante o dzud (grande frio) do inverno de 2015-2016. Esse evento climático extremo muitas vezes ocorre após um verão seco demais, quando a forragem é insuficiente e o estado nutricional dos animais é deficiente. As tempestades de neve e o frio são tão intensos que os animais são encontrados mortos no estábulo pela manhã. Famílias de nômades mongóis estão tendo seus rebanhos dizimados.
O último dzud havia sido no inverno de 2009-2010. A frequência dessas ondas de frio devastadoras tem preocupado os especialistas. “Os dzuds eram ocasionais antes dos anos 1990. Mas os quatro últimos vieram depois de verões secos, e pode ser que estes se tornem mais frequentes”, diz com toda a precaução dos cientistas o climatólogo Chuluun Togtokh, que dirige o Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Universidade Nacional da Mongólia e é o principal especialista mongol sobre o assunto.
A Mongolia, com seu território três vezes maior que o da França, tem sido cada vez mais vítima do aquecimento global: as curvas mostram que este seria três vezes mais forte em média do que no resto do mundo, ou seja, 2,1º C desde os anos 1940. É verdade que a qualidade das estatísticas é uma fonte de dúvidas, acredita o profesor Togtokh. Mas ele constata em seus estudos que os efeitos da desertificação vêm se agravando a cada ano, e que o permafrost está se deteriorando, por exemplo, na bacia do rio Tuul, que alimenta a capital, Ulan Bator, privando as plantas da camada úmida protegida a princípio pelo solo congelado, necessária para seu crescimento na primavera.
Esse aquecimento se soma ao crescimento exponencial do número de animais desde o fim da economia planificada de tipo soviético em 1991: o território mongol conta com 55 milhões de cabeças de gado —para 3 milhões de habitantes— que estão reduzindo os pastos disponíveis. Além disso, o país é um enclave, sujeito a condições climáticas extremas, e sofre com a falta de água em toda sua parte sul, desértica. A cobertura florestal é mínima (8% do território) em relação ao seu tamanho.
Êxodo rural
O dzud desse ano, menos fatal que o de 2009-2010, que matou 8 milhões de animais, atingiu famílias de nômades fragilizados pela brusca desaceleração da economia mongol, constatam ONGs internacionais como a People in Need e a Cáritas República Checa, que este inverno encaminharam ajuda e rações alimentares a diversas famílias em necessidade.
As famílias começaram o inverno com um baixo poder de compra, uma vez que o preço da carne baixou e o da caxemira despencou.
O dzud chegou enquanto seus estoques de carne estavam baixos e eles viviam do que ganhavam no dia, diz Thibault Chapoy, que dirige em Ulan Bator a ONG Cáritas República Checa. “O dzud de 2010 havia sido absorvido pelo forte crescimento da economia. Dessa vez, famílias tiveram de hipotecar seus rebanhos e ficaram sem nada.”
Essa precariedade vai alimentando o êxodo rural: mais da metade da população de Ulan Bator vive em bairros de iurtas e casas sem água corrente, e gera uma forte poluição atmosférica durante o inverno ao se aquecerem com carvão.
Os dzuds tinham menos impacto na era comunista, quando os rebanhos eram coletivos em sua grande maioria. O Estado garantia o acompanhamento veterinário. A transição para a economia de mercado engordou o gado de maneira excepcional e multiplicou os efeitos nocivos sobre o ecossistema em razão de uma falta evidente de regulação. “Os criadores de animais adotam uma estratégia de capitalização para garantir sua renda, que depende de uma maximização de cabeças de gado e uma especialização caprina, pois a caxemira é o que mais dá dinheiro. Mas são as cabras que mais degradam os pastos”, explica Romain Brillié, representante da Agrônomos e Veterinários Sem Fronteiras (AVSF) na Mongólia.
Os criadores ficam com seus animais por tempo demais, agravando ainda mais o círculo vicioso de sobrepastoreio. O mercado de carne de fato está saturado e a Mongólia exporta pouco, por falta de acompanhamento sanitário. “Os criadores relutam em investir em serviços de veterinários que foram privatizados, ou na seleção genética, o que os impede de passarem para uma lógica mais qualitativa do que quantitativa, através da qual eles poderiam estabilizar suas rendas e diminuir o impacto de sua atividade sobre o ecossistema”, diz Brillié. A AVSF ajuda os criadores nômades e seminômades a se reunirem em cooperativas para definir os métodos de rotação, ou ainda para exportar caxemira com o selo “sustentável” por ser proveniente de “práticas virtuosas.”
A Mongólia está entrando em uma fase crítica em suas escolhas econômicas e ambientais: a inversão da tendência no setor minerador, cujo desenvolvimento impulsionou a economia mongol nos últimos anos, mostrou ao país que ele ganha ao não depender exclusivamente da exploração de seus recursos naturais. Além disso, as minas representam outras ameaças para a biodiversidade e recursos hídricos.
“Nós fazemos parte dos países mais afetados pela mudança climática, ao passo de que contribuímos pouco para ela”, ressalta Oyun Sanjaasuren, ex-ministro do Meio Ambiente e deputado do Civil Will-Green Party. “É urgente que possamos adotar soluções tecnológicas que nos façam passar para um verdadeiro modelo de desenvolvimento sustentável.”
Por: Brice Pedroletti
Fonte: Le Monde
Tradutor: UOL