O ano era 2012 e o vilarejo alpino de Davos estava tomado por faixas promocionais anunciando o Brasil como um poderoso emergente, onde oportunidades para investidores se materializariam em grandes retornos. “Andando pelas ruas havia anúncios por todas as partes e os países mais propagandeados eram Brasil e Índia”, recorda o professor e diretor do Instituto Brasileiro do Kings College de Londres, Anthony Pereira, que participou do evento naquele ano.
Passada meia década, a euforia se desfez. Resultados econômicos pífios se somaram à frustração das obras inacabadas da Copa do Mundo e das Olimpíadas, em um país sacudido pela corrupção da Petrobras e da Odebrecht.
Um processo de impeachment polêmico desbancou a presidente e levou a sociedade à divisão e ao antagonismo, desfazendo por completo o conto de fadas vivido no passado próximo.
Agora, em meio a uma crise econômica em pleno curso, o Brasil chega a Davos carente de prestígio e com uma delegação sem o presidente Michel Temer, fazendo uma participação modesta, que na percepção dos especialistas é uma oportunidade perdida.
A China, por exemplo, terá uma grande comitiva e o presidente Xi Jinping fará a abertura do evento. A África do Sul, outro dos Brics, também mandará seu presidente Jacob Zuma. A vizinha Colômbia será representada pelo presidente e prêmio Nobel Juan Manuel Santos.
O Fórum Mundial é a principal vitrine de promoção dos países para investidores internacionais. O encontro proporciona aos governos a chance de expor aos diretores das maiores empresas mundiais oportunidades de negócio nos países, para atrair assim investimento estrangeiro direto.
Com uma agenda de reformas simpática aos olhos do mercado, o Brasil tenta vender a promessa de que está novamente nos trilhos, mas mais uma vez decepciona por não enviar seu líder maior.
Apesar da delegação contar com ministros competentes e autoridades renomadas, a ausência do presidente não passa desapercebida. A última vez que o representante máximo brasileiro participou do evento foi em 2014, com Dilma Rousseff.
Ao longo dos seus seis anos de liderança, ela só esteve uma vez em Davos. Seu antecessor, Lula foi a Davos em 2003, 2005 e 2007. Ele chegou a ser convidado a participar da edição de 2010, onde receberia o prêmio de Estadista Global, mas cancelou a participação por problemas de saúde.
Ausência do presidente
“É, já é o terceiro ano que o Brasil não é representado pela sua autoridade máxima”, lamentou o professor do Instituto Dom Cabral e ex-ministro do Planejamento e do Trabalho, Paulo de Tarso Almeida Paiva.
“A América Latina já é uma região que está saindo do radar das grandes discussões internacionais e a ausência da autoridade máxima põe o Brasil um pouco mais distante desse debate. Isso não é bom para o país.” Avalia.
A comitiva brasileira será liderada pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles.
“O país perde com a não presença da sua autoridade máxima, mas será representado pelo ministro Meirelles, uma pessoa que tem toda a qualificação”, pondera Paiva.
O professor Pereira, do King´s College de Londres, diz que a ausência de Temer “é em parte para tentar evitar um constrangimento”.
“Vimos isso na Olimpíada, na cerimônia de abertura. Embora tenha falado por apenas segundos, ele foi vaiado. Essa é uma plateia internacional, ele não seria vaiado no Fórum Econômico, mas provavelmente ele sente uma trepidação quando à forma como seria visto”.
“A cobertura internacional do impeachment foi mista, inclusive expondo que poderia ser um golpe, então acho que ele se importa sobre como a legitimidade de seu governo é vista”.
“O presidente Michel Temer é um político de bastidores. Nunca foi uma pessoa popular. Acho que ele não fica confortável e dada a forma como o impeachment aconteceu não teria sentido ele ir (ao fórum) e se expor dessa forma”, reforça Fernando Botelho, professor da USP e doutor em Economia pela Universidade de Princeton, nos EUA.
O presidente Temer afirmou que optou por permanecer no Brasil para acompanhar a reta final da campanha para presidente da Câmara dos Deputados e do Senado. Eleição decisiva para a manutenção da base aliada dele no Congresso.
“Penso que a eleição no Congresso é fundamental, porque ele não pode correr o risco que a Dilma correu (de permitir que um desafeto chegue à liderança)”, avaliou Paiva, fazendo referência à eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que contribuiu decisivamente para o impeachment de Dilma na condição de presidente da Câmara dos Deputados.
Ano catastrófico
“A participação no Fórum Econômico Mundial é uma oportunidade para o Brasil restabelecer sua imagem internacionalmente. 2016 foi um ano bastante catastrófico para o Brasil, no sentido em que deixou de ser visto como uma potência emergente, como um país que estava indo na direção correta”, avalia Pereira.
“É uma oportunidade fundamental para mostrar o esforço que o Brasil está fazendo nessa transição, saindo de um período de economia desarticulada, para uma reconstrução. O governo tem uma agenda positiva, tem que mostrar tudo de bom que está sendo feito” afirma Paiva, referindo-se ao regime de teto fiscal que congela os gastos públicos por 20 anos.
“O Fórum é um momento para a elite mundial pensar o que deu errado e como pode melhorar”, sintetizou Botelho.
Representado por uma delegação de ministros, o Brasil aposta em uma formação técnica para passar a mensagem de retomada por meio da promoção das reformas que o governo tem proposto e aprovado.
“Penso que a participação brasileira será muito mais modesta do que quando assisti ao ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota falar das oportunidades no Brasil. Eles darão ênfase a um discurso de retorno à normalidade, de senso de continuidade”.
“Eles serão modestos mas tentarão dizer que ainda há oportunidades no Brasil e acho que há interesse estrangeiro em ouvir isso”, acredita o professor Pereira.
Além de Meirelles, participarão ainda da comitiva brasileira o ministro da Indústria e Comércio, Marcos Pereira, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, o presidente da agência de promoção exterior, Apex, Roberto Jaguaribe, o secretário de Comércio, Abraão Miguel Árabe Neto, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Além de representantes da iniciativa privada e da imprensa.
Delegação de notáveis
Se por um lado a ausência de Temer é sentida, a presença de Janot é valorizada, pois é vista pelos especialistas como um esforço do Brasil em mostrar que está comprometido com a luta contra a corrupção.
“As contribuições do senhor Janot se refletirão em nossa agenda de transparência e anticorrupção. O trabalho dele foi elogiado no mundo todo. E o resultado dos esforços dele certamente terão um impacto positivo na melhora da credibilidade para se fazer negócios no Brasil”, disse à BBC Marisol Argueta de Barillas, coordenadora para América Latina do Fórum Econômico Mundial.
A presença de Janot em Davos “serve para mostrar que nós estamos avançando para padrões mais altos de governança, seja na esfera pública ou privada(…). Acho que isso dá um grande salto para o Brasil, é uma ótima sinalização”, avalia Botelho da USP.
“Mandar o procurador-geral e o ministro da Fazenda ao invés de comparecer, é também uma forma de dizer que está tudo ‘normal’, que há uma continuidade, que há uma situação institucional na frente política e econômica que faz o Brasil prosseguir em frente”, acredita Pereira.
É esperado que Janot participe de debates paralelos no Fórum, muito embora no programa principal não esteja confirmado o nome dele na liderança de nenhum dos painéis.
Consta, entretanto, um debate sobre o combate à corrupção, que contará com o prêmio Nobel, Joseph E. Stiglitz, e o advogado e diretor do Instituto Basel de Governança, Mark Pieth, na tarde desta terça-feira, e que Janot deverá acompanhar.
“O senhor Janot é uma pessoa comprometida com mudanças e acreditamos que é importante destacar as contribuições que ele fez no combate à corrupção”, reforçou Argueta de Barillas.
Na quarta-feira, um painel irá debater o futuro econômico da América Latina pela manhã, mas nenhum brasileiro está escalado no time que coordenará a discussão.
A maior parte do esforço de convencimento dos investidores ocorrerá em encontros paralelos fechados, organizados pelas empresas.
Os bancos brasileiros Itaú e Bradesco estão entre os patrocinadores de Davos e seus presidentes Roberto Setúbal e Luis Carlos Trabuco aparecem com destaque entre os membros da iniciativa privada da delegação brasileira.
Fonte: BBC