O governo avalia que está com energia de sobra e pretende se desfazer de usinas já contratadas, incluindo projetos de energias renováveis

Torres eólicas paradas em Caetité, na Bahia, em 29 de janeiro de 2013
Na semana passada, três governadores de estados do Nordeste se encontraram com o também nordestino ministro de Minas e Energia, o pernambucano Fernando Coelho Filho (PSB). Os governadores foram a Brasília pressionar o governo federal para que ele volte a investir em energia eólica e solar. O Nordeste é hoje um dos principais polos de energia renovável do Brasil, em especial de eólica – a região concentra 82% da energia dos ventos gerada no país. No final de 2016, o governo federal cancelou a contratação de projetos eólicos. A perspectiva de ficar sem investimentos acendeu o sinal amarelo para os políticos da região e para as indústrias do setor.
Até o final do ano passado, a indústria eólica não sabia o que era crise. Em 2015, por exemplo, ano em que o PIB do Brasil caiu 3,8%, o setor de eólica cresceu 46%. Só no ano passado, a capacidade instalada de eólica no país aumentou em 2.564 megawatts, a segunda fonte de energia que mais cresceu, atrás apenas de grandes hidrelétricas. Desde o início das construções dos primeiros parques eólicos, o setor já movimentou R$ 60 bilhões em investimentos no país.
A crise, porém, parece enfim ter chegado também ao setor. Em 2016, pela primeira vez o governo não promoveu nenhum leilão para contratar projetos de energia eólica. O único previsto, de compra de energia de reserva, foi cancelado cinco dias antes do certame, em 14 de dezembro. E não há previsão de leilões em 2017. “O cancelamento do leilão trouxe um efeito muito negativo para o investimento”, diz Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica, associação de empresas do setor. “Os investidores vivem de expectativa, planejam o futuro e aí investem. Eles estavam prontos para investir pelo menos R$ 8 bilhões. Estamos abrindo mão desses investimentos.”
Segundo Elbia, os bons números de eólica nos últimos anos são resultado dos leilões passados. Projetos de energia demoram para entrar em operação. Os megawatts que foram adicionados na rede no ano passado, por exemplo, foram contratados quatro, cinco anos atrás. Sem leilões em 2016 e 2017, ela teme que o setor pare de crescer em 2020. “Você faz o leilão hoje para encher o chão da fábrica no ano que vem, para atrair os fabricantes de aerogeradores. Mas eles precisam de pedidos, senão vão embora do país”, diz. Nos cálculos da Abeeólica, o cancelamento da contratação de energia em 2016 deixou de criar entre 15 mil e 30 mil postos de trabalho diretos e indiretos.
Foi para não perder esses investimentos e empregos que os governadores foram a Brasília pressionar o ministro. “Questionamos a decisão por compreender que um país que se propõe a retomar o crescimento não pode abrir mão de ampliar suas reservas energéticas”, escreveu o governador do Ceará, Camilo Santana, em seu perfil nas redes sociais. O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, deu declaração similar. “Estamos na expectativa de que o governo encontre uma solução para as necessidades do setor com os investimentos feitos pelas empresas que atuam na nossa região.”
Eles receberam do ministro Coelho Filho a promessa de que o governo federal fará uma análise sobre possibilidades de novos leilões, a ser concluída até março. Mas, no cenário atual, é pouco provável que tenham uma resposta positiva. O que aconteceu é que, após o impeachment de Dilma Rousseff e no contexto dos ajustes fiscais, o governo Michel Temer chegou à conclusão de que já tem energia demais. “Temos de comprar energia com base na necessidade. E hoje não estamos precisando”, diz o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Eduardo Azevedo. “Nós estamos sendo cobrados pelos estados produtores de eólica e solar. Eles se sentiram prejudicados porque deixaram de receber investimentos. E nós apresentamos os fatos objetivos. Na verdade, o país está prejudicado porque não está crescendo. A culpa não é da falta de vontade de fazer, é a falta da condição de fazer.”
Segundo Azevedo, outro fator que contribuiu para o cancelamento do leilão foi o planejamento excessivamente conservador feito no passado. Historicamente, o MME sempre considerou que o Brasil cresceria mais e precisaria de mais energia do que o país de fato cresceu. Com isso, os Planos Decenais de Energia apontavam a necessidade de mais leilões do que seriam necessários, na avaliação do governo atual. Nos cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estão sobrando atualmente 8.000 megawatts em projetos que estão em construção. ÉPOCA perguntou ao ministério quanto de sobra seria aceitável, quanto é excessivo, mas não obteve um número, já que esse valor depende da avaliação de riscos dos projetos em andamento e varia de tempos em tempos.
O governo agora estuda o que fazer com essa energia de sobra. Se nada for feito, ela entrará na rede e deverá ser paga, seja utilizada ou não. O principal plano na mesa é fazer um leilão para descontratar energia. Quanto dos 8.000 megawatts será descontratado o governo não revela, já que essa informação pode atrapalhar a concorrência do leilão.
A ideia é chamar todos os empreendedores que participaram de contratos de energia de reserva, mas ainda não entraram em operação. Se esses empreendedores estiverem com projetos atrasados, com problemas financeiros ou por qualquer outro motivo não quiserem mais manter o projeto, eles poderão sair sem arcar com multas, apenas pagando um valor determinado no leilão. Dessa forma, o governo espera também receber dinheiro de volta em projetos já contratados. A ideia é descontratar primeiro os projetos mais caros e mais poluentes, mas não há restrições. Se empreendedores de energias limpas quiserem se desfazer de suas usinas, eles também poderão concorrer.
Apesar de uma possível descontratação de projetos de eólica e solar, o governo diz que não perdeu o interesse em investir em renováveis. “Temos um compromisso que foi firmado na COP 21”, diz Azevedo, referindo-se às metas do Brasil no Acordo de Paris. Nesse compromisso, o Brasil precisa aumentar a participação de energias renováveis em sua matriz energética. “As renováveis serão prioridade se houver necessidade de contratação de energia no futuro”, diz. Para as indústrias no setor, no entanto, essa promessa não é o suficiente. Elas querem a realização de um leilão ainda no primeiro semestre de 2017. Se esse leilão não acontecer, essa indústria poderá entrar em sua primeira crise desde que começou a ser instalada no Brasil, há menos de dez anos.
Por: Bruno Calixto
Fonte: Blog do Planeta