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Da lama ao pó: o impacto da tragédia do Rio Doce para a saúde

Estudo inédito investiga os principais problemas físicos e psicológicos de quem, até hoje, continua sendo atingido pelo crime da mineradora Samarco

Fonte: Instituto Saúde e Sustentabilidade

Fonte: Instituto Saúde e Sustentabilidade

A imagem acima é o grito dos problemas enfrentados hoje no corpo e na alma por quem ainda vivencia, direta ou indiretamente, o maior desastre socioambiental do país – a destruição da bacia do Rio Doce pelo rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco, que é controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton.  No diagrama, feito a partir dos resultados de pesquisas junto à população, problemas respiratórios, de pele, dengue e emocionais se destacam entre os males mais recorrentes ou percebidos.  Porém, os danos podem ir além, quando levado em conta as doenças crônicas que poderão vir a se desenvolver ou se agravar, sem que a Samarco ou o sistema público de saúde estejam se preparando para isso.

O estudo “Avaliação dos Riscos em Saúde da População afetada pelo Desastre de Mariana”, realizado pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), é o primeiro a ser divulgado de uma série de pesquisas que contemplam mais outras cinco áreas: Água, Fauna, Flora, Impactos Sociais e Direitos Humanos. Todos conduzidos por pesquisadores independentes de universidades e institutos brasileiros, e financiados com doações captadas pelo coletivo Rio de Gente e gerenciadas pelo Greenpeace.

Segundo a médica e diretora do ISS, Evangelina Vormmitag, que coordenou o estudo, não existe nenhum outro desastre na literatura científica com essa magnitude e essas características, envolvendo tantos fatores – água, ar, solo e animais contaminados, danos emocionais e mentais –, na proporção que foi o Rio Doce. “Por isso os efeitos para a saúde são tão abrangentes”, explica.

Para avaliar o impacto, os pesquisadores consideram os efeitos na saúde decorrentes de um desastre em três fases:

– Resgate, com os efeitos mais agudos, momentâneos e entre minutos, horas e dias, como acidentes, afogamentos, lesões ou óbitos;

– Recuperação, entre semanas e meses, como as doenças infecciosas, transmissíveis por vetores ou não, como dengue, hepatite A, diarreia, intoxicações, lesões de pele, doenças respiratórias, exacerbação de doenças crônicas;

– Reconstrução, sintomas que surgem entre meses e anos, como as doenças comportamentais, psicológicas e mentais. Soma-se a estes efeitos, a preocupação adicional da exposição à lama tóxica, seja por inalação, contato com a pele ou até por ingestão.

Moradores de Barra Longa fazem a limpeza da cidade coberta pela lama de rejeitos, após o desastre - Foto: Caio Santos

Moradores de Barra Longa fazem a limpeza da cidade coberta pela lama de rejeitos, após o desastre – Foto: Caio Santos

Cidade perdida na poeira

Moradores de Barra Longa (MG) foram escolhidos para a pesquisa em função do município ser considerado um dos piores em situação. “Em Bento Rodrigues, onde a lama destruiu tudo, não se mexeu mais e ninguém ficou por lá para ser afetado. Em Barra Longa, o pó da lama seca chegou aos quarteirões mais altos em função do trânsito de veículos e da própria reconstrução da cidade, atingindo todo mundo”, conta a médica.

A poluição do ar pode ter sido agravada ainda pelos blocos de lama seca produzidos pela Samarco para serem usados na repavimentação das ruas destruídas. Com o tráfego de caminhões, isso levanta ainda mais poeira.

De uma população de quase 6 mil habitantes, a pesquisa ouviu 289 famílias e seus 576 membros, calculados de forma estatística e sorteados a partir da lista das famílias do Programa Social de Família da Secretaria Municipal de Saúde de Barra Longa. Dos entrevistados, 35% afirmaram que a saúde piorou após o desastre. Para realizar a pesquisa, eles responderam um questionário e entrevistas sobre os sintomas que vêm sentindo após o desastre da Samarco. Esse estudo é o início de uma verificação mais profunda sobre as responsabilidades que a empresa deverá arcar quanto ao adoecimento da população de Barra Longa.

Dentre os problemas relatados, 40% são respiratórios; 15,8% afecções de pele; 11% transtornos mentais e comportamentais; 6,8% doenças infecciosas; 6,3% de doenças do olho; e 3,1% problemas gástricos e intestinais. Para crianças de até 13 anos completos, as doenças respiratórias são 60% das queixas.

Desde o desastre, 56% dos respondentes afirmaram terem deixado de realizar alguma de suas atividades habituais e domésticas, e 49,5% chegaram a ficar acamados. Também houve a preocupação de inquirir sintomas, uma vez que os indivíduos poderiam não ter o diagnóstico da doença. Os prevalentes foram dor de cabeça, tosse e dor nas pernas, alergias de pele, febre e rinite. Vale ressaltar que dor nas pernas é um sintoma comum de intoxicação por minério.

Como o próprio estudo conclui, “a saúde da população está comprometida e de diversas formas. Os dados levantados espelham o sofrimento da população a multivariadas queixas e doenças, e ao prejuízo da sua qualidade de vida”.

Clique para baixar o estudo

“Angústia com o futuro” O que chamou a atenção dos pesquisadores na realização do estudo, no entanto, foi a escassez de dados de saúde contabilizados e monitorados desde o desastre pelo poder público. Uma pesquisa epidemiológica em saúde foi realizada pelo Ministério da Saúde em julho de 2016, em Barra Longa, e até hoje os resultados não foram divulgados.

“Tenho angústia com o futuro, pois há a necessidade de avaliar as pessoas que foram afetadas em relação a doenças crônicas, que são as mais perversas, e não há dados oficiais de saúde. Barra Longa tem dados de mortalidade, morbidade, notificação compulsória. Daqui a 30 anos, como será a atribuição de casos de câncer ou doenças do sistema imunológico? 80% dos efeitos da poluição do ar são problemas cardiovasculares. É a primeira causa ambiental de morte no mundo, associada a doença crônica não transmissível”, alerta a médica.

Ela defende que a empresa provesse as necessidades mínimas para a população, pois os efeitos são bastante específicos e necessitam de atendimento especializado. “A Samarco disponibilizou clínicos gerais na UPA da cidade, mas não há atendimento de especialistas, como dermatologista ou psiquiatra. Por conta dessas doenças, as pessoas têm que se deslocar pra outras cidades e comprar remédios, mas seus gastos não são ressarcidos pela Samarco. Há quem não receba nenhuma compensação”, alerta.

Para Fabiana Alves, da Campanha de Água do Greenpeace Brasil, os impactos na saúde mostram a amplitude de um desastre ambiental e é apenas uma das consequências da negligência de empresas em seus projetos de infraestrutura exploratória. “A população atingida tem que ser monitorada para uma ampla análise e suporte real à saúde dos atingidos. O que resta nesse momento é demandar que os órgãos municipais se organizem para esse monitoramento necessário, já que a Samarco não interesse em fazê-lo”, diz Fabiana.

Nesta outra nuvem, entrevistados resumem a percepção do crime ambiental no Rio Doce em uma palavra.  Fonte: ISS

Nesta outra nuvem, entrevistados resumem a percepção do crime ambiental no Rio Doce em uma palavra. Fonte: ISS

Enquanto isso, no Congresso brasileiro Tramitam diversas proposições que objetivam enfraquecer as legislações de proteção ambiental no país. Dentre as mais graves, está a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental. O interesse não é tornar o processo mais efetivo e responsável, apenas mais rápido.

Caso a lei seja mudada para pior, como querem nossos deputados e senadores e boa parte do governo, todos nós estaremos expostos a maiores riscos, afetando de forma direta populações mais vulneráveis e alimentando a possibilidade de ocorrência de novos desastres ambientais, como foi o de Mariana (MG), onde a empresa Samarco, formada por Vale e BHP Billiton varreu do mapa cidades e populações e destruiu por completo a Bacia do Rio Doce. O maior desastre socioambiental brasileiro deixou um rastro de 21 mortos e arrasou com as esperanças e a vida de centenas de famílias.

Do ponto de vista econômico, o enfraquecimento do licenciamento também poderá trazer efeitos negativos, alimentando conflitos sociais e aumentando o número de contestações legais contra empreendimentos, diminuindo a segurança jurídica para investimentos no país.

Fonte: Greenpeace

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