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Pecuária sustentável é alternativa para preservação do Pampa

Quando se fala em pampa, uma imagem vem à cabeça: campos, numa vista larga de se perder no horizonte, e gado sobre ele. Durante muito tempo, essa era mesmo a paisagem do bioma. Entretanto, os interesses econômicos estão mudando e ameaçando essa paisagem. Segundo o professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG Marcelo Dutra da Silva, “há sempre uma nova onda para ocupar essas terras”. Problema é que essas “ondas” implicam necessariamente em transformar o bioma. Primeiro foi a pressão para o plantio de eucalipto, e agora soja. “É cultural, temos essa ideia de que o campo do Pampa é algo vazio e que precisa ser ocupado”, destaca Silva, durante sua conferência Pampa: um bioma em transformação, realizada na noite de terça-feira, 21-3, dentro do ciclo de palestras Os biomas brasileiros e a teia da vida, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O ciclo segue até junho.

O professor afirma que a maior ameaça é a transformação do campo em lavoura. “O campo tem tanta diversidade quanto uma floresta, mas é um bioma diferente. Aqui, nossa Amazônia é o campo”, exemplifica. Quando o substrato característico do Pampa é revolvido, essa cobertura jamais será a mesma e afetará todo o ecossistema. “Vemos áreas em que antes havia campo e pouco gado em cima dele. Agora, se transformaram em lavouras de soja. Foi assim com o avanço do eucalipto, que fracassou, e agora os investimentos se voltam para soja”, explica. E mesmo que, em determinadas épocas do ano, se volte a ter gado e características de campo, o bioma não se reconstitui. “Até porque o proprietário passa a plantar ali espécies de forrageiras, um cultivo de pastagem que não é natural do Pampa”, completa.

Silva complexifica ao problematizar que toda a cultura de soja ainda implica o uso de agrotóxicos. “É o caso do glifosato, para citar um dos mais simples”, diz. O professor ainda destaca que o Pampa é diverso e composto de vários cenários. Mesmo se falarmos em campo, percebe-se que há diferentes tipos de campos no Pampa, que se concentra no Rio Grande do Sul. Até bem pouco tempo, além da criação de gado, plantava-se arroz em determinados campos mais planos e úmidos. Por questões econômicas, os arrozeiros também têm migrado para o cultivo de soja, que ainda avança sobre outros campos que sequer eram usados como lavouras.

Desafio de seguir com pecuária

Se o arroz não é mais interessante, pior ainda é a situação da pecuária. “Ninguém mais quer manter o gado no campo porque não dá o mesmo retorno para o produtor”, pontua o professor. Assim, essencialmente no que se refere à metade sul do Rio Grande, parece que se está sempre correndo atrás de um novo eldorado. “Com os argumentos de que a metade sul está quebrada, fica-se apostando em novos usos para o Pampa, que acabam dando em nada e degradando a área”. O problema ainda maior é que, segundo Silva, se faz o uso desse bioma sem um planejamento, um zoneamento adequado, apenas com um caráter meramente exploratório da terra. “O Pampa é diverso. São inúmeros ecossistemas, como área mais litorânea e mais próxima de serra, que precisam ser mapeados e conhecidos para se pensar no melhor uso”, destaca o pesquisador, que defende o que chama de zoneamento ecológico.

Antes de proteger, realmente se faz necessário conhecer o Pampa. Silva explica que num passado distante os campos pampianos vinham evoluindo. Havia a possibilidade de que sua vegetação fosse crescendo, transformando o campo em floresta. “Mas houve a presença humana nesse contexto e os campos do Pampa involuíram e passaram a desenvolver outros tipos de ecossistemas”. Animais, plantas e outras diferentes formas de vida se adaptaram e passaram a viver ali, tendo esse cenário como sua casa.

Num primeiro reflexo, podemos pensar que o ideal para preservar o Pampa seria deixar seus campos intocados. Talvez, protegidos por reservas do Estado. “Mas nosso país não tem tradição nessa gestão das áreas de preservação. Criam-se as reservas, mas não há investimento para manter”, completa o professor, que ainda lembra que a maioria do Pampa gaúcho está em propriedades particulares. Assim, a desapropriação, além de onerosa para o Estado, pode se transformar em infindáveis conflitos. “Depois, ainda pode ocorrer o que vem acontecendo com as reservas da Lagoa do Peixe e do Taim, que são zonas de intensos conflitos”, pontua.

De pampa a floresta

O professor Marcelo Dutra da Silva ainda destaca que mesmo que o Brasil tivesse excelência na gestão de reservas ambientais, o Pampa não estaria seguro. Por uma questão evolutiva e por condições climáticas, um campo pampiano deixado intocado começa a se transformar em floresta. “Já temos a experiência de áreas em que começam a crescer arbustos que podem, até pela proximidade com o bioma Mata Atlântica, se transformar em floresta”, explica. Ou seja, a vida no bioma como é hoje também seria inviabilizada.

Pecuária sustentável: uma saída

Ao longo de toda a palestra, Silva reitera que o Pampa é um bioma muito diverso e defende o zoneamento, não apenas como forma de conhecer, mas também para servir de base e estimular demarcações para usos apropriados das terras. “Nos falta cultura de preservação porque não temos política de conservação, e uma coisa leva a outra”, dispara. Tendo claro o uso consciente da terra, não balizado apenas por critérios econômicos, é possível se pensar num manejo preservacionista do Pampa.

Pode soar estranho aliar os conceitos de preservação e manejo, mas é preciso levar em conta que um campo limpo, sem inferência humana, se transforma em outra coisa. Além disso, como a maioria são terras particulares, os usos econômicos são necessários para subsistência das famílias. “Por isso digo que a criação de reservas não resolve nesse atual cenário. Vamos criar uma e não saberemos fazer a gestão”, argumenta o professor. É assim que Silva chega à formulação da chamada pecuária sustentável como uma das alternativas para preservação.

Segundo o professor, esse manejo preservacionista consiste em povoar as grandes áreas de campo com poucos rebanhos de gado. Com isso, é possível aproveitar a vegetação característica do campo sem a necessidade de plantar pastagens. “Manter o produtor no Pampa criando gado é muito mais barato que criar uma unidade de preservação. É preciso deixar ele lá, com o gado, e fazer com que não seja seduzido pela soja”, defende. A carne produzida nessa pecuária sustentável ainda tem valor agregado, outro padrão, que abastece um mercado diferenciado. “Esse é o nosso grande desafio. É preciso fazer isso em todo Pampa porque, do contrário, nos restará apenas poucas manchas de campo no bioma”, avalia Marcelo Dutra da Silva.

Quem é Marcelo Dutra da Silva?

Graduado em Ecologia pela Universidade Católica de Pelotas – UCPel, mestre e doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. É professor do Instituto de Oceanografia – IO e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento Costeiro da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Coordena o Laboratório de Ecologia de Paisagem Costeira – LEPCost.

Ciclo de estudos

A discussão promovida pelo IHU sobre os biomas brasileiros gerou um ciclo de estudos que abrange diferentes áreas de conhecimento, em perspectiva transdisciplinar, agregando interesses especialmente dos Programas de Pós-Graduação em Biologia e em Geologia da Unisinos, bem como das disciplinas e atividades acadêmicas voltadas para ética/bioética ambiental, ecologia e sustentabilidade. A programação inclui conferências sobre biomas brasileiros, em articulação com questões de biologia, ecologia, ecologia integral, ética ambiental, ecoteologia, mudanças climáticas; atividades artísticas e culturais; exibição de vídeos sobre os seis principais biomas brasileiros; ciclo de estudo em Educação a distância (EAD); publicação impressa e digital de um número especial da revista IHU On-Line, de Cadernos IHU ideias e Cadernos Teologia Pública, bem como publicação de entrevistas e notícias sobre o mesmo tema no site do IHU.

A programação completa do ciclo pode ser acessada aqui.

Confira a íntegra da palestra de Marcelo Dutra da Silva

Por: João Vitor Santos
Fonte: IHU On-Line

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