Com a queda dos juros e spreads menores, instituições financeiras lucram menos e preparam mudanças
O cenário mudou radicalmente para o sistema financeiro. Pressionados pelo governo para reduzir o spread das operações de crédito e as taxas de juros, os bancos viram suas fontes de receita minguarem ao longo de 2012 – especialmente no momento em que a inadimplência galgava degraus 1 mais altos na virada do primeiro semestre. No acumulado do ano, até outubro, a inadimplência recuou apenas 0,4 ponto percentual. Os balanços referentes ao primeiro semestre apontaram queda nos lucros, situação que se manteve até o terceiro trimestre. Pesquisa realizada pela consultoria Economatica junto a 32 empresas de capital aberto aponta que o setor bancário, embora tenha sido o mais lucrativo no terceiro trimestre do ano, ficou 8,24% abaixo dos ganhos obtidos no mesmo período de 2011. As 25 instituições pesquisadas registraram lucro de R$ 11,29 bilhões no acumulado do ano.
A curva para baixo nos resultados em 2012 acentua o que os números do ranking de Valor Grandes Grupos mostram na evolução de 2010 para 2011. A rentabilidade do setor de finanças recuou de 18,3% para 17,7%. O desempenho negativo se equipara ao do comércio – queda de 14,9% para 14,4% mas é melhor do que a média dos 200 maiores grupos – recuo de 14,8% para 13%.
Com a redução da taxa Selic para seu , menor patamar histórico (7,25/é), os bancos foram obrigados a virar a página de um período em que o elevado retorno das carteiras de títulos públicos e as pesadas taxas de spreads engordavam as receitas. Na linha de frente do esforço governamental, os bancos públicos se adiantaram na adoção de medidas ajustadas à nova realidade. A Caixa Econômica Federal (CEF), por exemplo, encurtou as férias de seus executivos no inicio do ano para anunciar em abril uma redução de 88% nas taxas de juros cobradas tanto para pessoas físicas como pessoas jurídicas. “Salmos na frente para preservar a instituição. O cenário econômico estava mudando e tínhamos que tomar uma decisão estratégica”, afirma Mareio Percival, vice-presidente de finanças e mercado de capitais da CEF.
Quinta colocada no ranking dos 20 maiores em lucro liquido do setor financeiro, a CEF registrou no balanço do terceiro trimestre de 2012, um resultado líquido de R$ 4,2 bilhões, 18% acima do obtido em igual período de 2011. A CEF também aumentou sua participação no mercado de crédito para 14,5%, o que representa um salto de 2,7 pontos percentuais em 12 meses.
Em setembro, segundo mostrou o Valor Econômico, o Banco Central (BC) zerou a alíquota adicional de recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista e reduziu o adicional de recolhimento sobre depósitos a prazo. O BC também criou novas regras para estimular a aquisição de carteiras e letras financeiras de bancos de menor porte e crédito para o setor de veículos – medidas suficientes para liberar cerca de R$ 30 bilhões de um estoque de recursos represados, que está na casa dos R$ 400 bilhões.
Para não perderem espaço, os bancos privados refizeram seus cálculos e também reduziram suas taxas. Entre setembro e outubro, a taxa média de juros atingiu 29,3% ao ano, o menor nível da série histórica calculada pelo BC. “O setor bancário precisa entender que o momento é de trabalhar pensando em taxas reais de juros na casa de 2% e numa inflação em torno de 5%”, diz Percival. No caso da CEF, a taxa anual de juros, que era de 40% para pessoa física, está em 28,8%, enquanto a de pessoa jurídica foi de 28,8% para 14,3%.
Passado o período de ânimos acirrados da queda de braço com o governo, o cenário já é analisado sob uma perspectiva mais tranquila por parte dos bancos privados. Segundo Luiz Carlos Angelotti, diretor-executivo do Bradesco, o governo federal foi na linha correta ao tentar reduzir os spreads. “Da nossa parte, estamos fazendo o possível para oferecer melhores taxas aos nossos clientes. Corrigimos nossas taxas de cartão de crédito e cheque especial para ficarmos em linha com a tendência de mercado”, afirma.
Em novembro, uma pesquisa da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) apontava um fato inédito: pela primeira vez, os juros do rotativo no cartão de crédito deixaram a casa dos dois dígitos, passando de 9,99% em setembro para 9,37% em outubro, o que ainda representa uma taxa anual alta, de 192,94%. Para a Anefac, a queda dos juros é resultado não só da melhoria dos indicadores econômicos, como também da maior competição dentro do setor bancário.
Nem todos concordam com esta visão. Para o analista Luis Miguel Santacreu, da Austin Rating, ainda não é possível saber com exatidão se, de fato, com a pressão dos bancos públicos entrou mais crédito na praça. Ele observa que a carteira de crédito dos bancos públicos subiu, enquanto a dos bancos privados sofreu uma queda. Mas o que não se sabe ainda é se há crédito novo na praça. “O que pode ter havido é um processo de renegociação de dívidas por meio de portabilidade. Ou seja, o devedor troca a sua dívida no banco privado por condições mais favoráveis em um banco público”, diz.
Os números do Banco Central referentes ao mês de outubro mostram que o estoque de crédito no Brasil cresceu 1,4%, um ritmo melhor que o verificado em setembro. A carteira de empréstimos e financiamentos do sistema financeiro encerrou o período em R$ 2,269 trilhões.
Santacreu acha que é prematuro afirmar que a nova postura dos bancos públicos se traduziu em maior concorrência. Para ele, os grandes bancos ainda passam por um período de ressaca, depois que foram obrigados a ampliar suas provisões em razão do aumento da inadimplência. Ficaram mais rigorosos na análise de crédito e foram pressionados pelo mercado a reduzir suas taxas, embora em um ritmo mais lento que os bancos públicos. “O que temos agora é um período em que estão digerindo o ciclo virtuoso, ao mesmo tempo que ficam de olho no cenário internacional, principalmente na crise europeia”, diz.
Para o consultor Roberto Troster, ex- economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a postura do governo é bem intencionada, mas não vai ao cerne da questão. “No meio bancário, temos de atacar os problemas, e não os sintomas. O principal é que todo crédito no Brasil é indexado em curto prazo. Cerca de 60% é por meio de cartões de crédito e cheque especial. É preciso acabar com o IOF, que onera as operações em demasia”, diz.
Já o consultor Bernard Appy, da LCA, critica o fato de o governo federal ter injetado R$ 13 bilhões na Caixa e mais R$ 8,1 bilhões em forma de dívida subordinada – papéis de longo prazo que servem para os bancos reforçarem o seu patrimônio de referência, condição primordial para atender às normas de Basileia III que começam a vigorar a partir de 2013. Em condições normais de mercado, uma operação deste porte exigiria um tempo maior de negociação.
O ambiente favorável à atuação dos bancos públicos coincidiu com o salto do grupo segurador BB-Mapfre em 2011 no ranking de Valor Grandes Grupos. Em apenas um ano, a companhia criada para ser o maior grupo segurador nacional saiu da 86a para a 56a posição no ranking geral dos 200 maiores grupos.
“Buscamos nos diferenciar pela alta capilaridade e pelo amplo portfolio de produtos”, diz Marcos Ferreira, presidente do grupo BB-Mapfre nas áreas de auto, seguros gerais e affinities. Os produtos são distribuídos em quase seis mil agências do Banco do Brasil e uma rede de canais de varejo com quase oito mil pontos, além de 15 mil corretores. O grupo conta com cerca de 25 milhões de clientes, número que deve crescer a partir de 2013 com a entrada da companhia no segmento de microsseguros – produtos populares com tíquete médio de R$ 8.
No final de novembro, o Banco do Brasil anunciou uma mudança na estrutura organizacional que envolve suas atividades seguradoras. Com o objetivo de se tornar uma companhia aberta, o banco estatal criou a BB Seguridade, que será a holding não apenas do BB-Mapfre, mas também da Brasilprev (que trabalha com previdência) e da Brasilcap (de capitalização). A BB Seguridade deve abrir o capital em 2013.
Por: Guilherme Meireiles
Fonte: Valor Econômico
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