O maior grupo brasileiro de carne, o JBS, foi notificado pelo Ministério Público do Mato Grosso pela compra de 3.476 cabeças de gado de fazendas embargadas pelo Ibama, instaladas em áreas de preservação ou flagradas em trabalho escravo. Joesley Batista, o presidente do grupo, me disse que está mais preocupado com a vida humana em risco no Brasil, porque 5 milhões de bois são abatidos por ano sem inspeção sanitária.
— As árvores derrubadas hoje podem afetar a vida humana daqui a 50 anos, mas, neste momento exato, brasileiros estão comendo carne de frigoríficos municipais sem qualquer fiscalização. O veterinário assina o bloquinho de notas, fingindo que fiscalizou, e nem olha o boi. É uma calamidade. Terríveis doenças podem ser contraídas, como a teníase, que leva à loucura. O hospício está cheio de doido que comeu carne que as autoridades não fiscalizaram — diz Joesley.
O Brasil virou o campeão mundial do mercado de carne no mundo, o BNDES colocou muito dinheiro público no projeto de concentrar e globalizar o setor. O JBS foi escolhido para ser o maior. Analisei o tema, li relatórios, falei com ONGs, Ministério Público, BNDES, e tive uma conversa de duas horas e meia com o presidente do maior frigorífico do Brasil e do mundo.
Joesley garante que fez esforço e aumentou o controle para eliminar da sua cadeia produtiva as fazendas envolvidas em crime.
— Se o JBS não comprar o bicho, outros compram. Todo mundo compra. Eu fico sendo o chato. Assinei o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, por isso sou vigiado, mas e os que não assinaram? O BRF, empresa grande e emblemática também, tem duas plantas de abate de bovino em Mato Grosso, mas não assinou o compromisso que assinamos. O Carrefour, Pão de Açúcar, Walmart não querem saber de onde vem a carne — afirma.
Em 2009, houve uma ofensiva contra o desmatamento e outros crimes da pecuária. O Greenpeace divulgou relatório provando a ligação dos grandes frigoríficos com produtores que praticavam crimes de trabalho escravo, desmatamento ilegal, invasão de terra indígena. A ONG Repórter Brasil também investigou e denunciou. O Ministério Público Federal iniciou a campanha “carne legal”. O MP, em vários estados, iniciou ações contra frigoríficos.
Os grandes supermercados assumiram compromissos públicos de que só comprariam carne de quem vigiasse sua cadeia produtiva. Foi assinado um acordo dos grandes frigoríficos de que em seis meses eles eliminariam esses crimes da sua cadeia produtiva. Não cumpriram. Ganharam novo prazo. Marfrig e Minerva não foram apanhados em novos casos, mas o JBS, sim. O MP do Acre iniciou uma Ação Civil Pública contra o JBS, em abril de 2011, por comprar de produtores com crimes ambientais e trabalhistas, mas, em seguida, o grupo assinou um TAC, que estará completamente em vigor apenas em setembro. Já no Mato Grosso, em outubro de 2011, o MP notificou a empresa porque comprovou pelo Guia de Transporte Animal, que o JBS havia abatido 3.476 cabeças de gado de 34 fazendas que cometeram crimes: 13 delas, propriedades embargadas pelo Ibama; outras, por desmatamento ilegal de produtores que grilaram terras dos indígenas Marãiwatsede; e uma (144 bois), da lista suja do trabalho escravo. Depois da notificação, a empresa não comprou mais desses produtores.
— Não somos certificadores de frigorífico, mas os compradores internacionais nos perguntam se o JBS compra de produtores com atividades ilegais. Dizíamos que ele estava com um prazo para cumprir o acordo. Agora, informamos que eles não estão cumprindo — diz Paulo Adário, do Greenpeace.
A ONG lançou a campanha “Salve a sua pele”, na Feira de Bolonha, na Itália, no fim de 2011, e fez um desfile de modelos denunciando aos compradores de couro essa conexão.
Joesley Batista diz que os sistemas de informação dos órgãos públicos sobre as fazendas são falhos:
— Muitas vezes, na hora que eu compro o boi a fazenda não está na lista do Ibama nem do Ministério do Trabalho. Depois do abate, ela entra. Por isso, melhorei o sistema de fiscalização e já até devolvi boi comprado. Mas aí o outro vai e compra. Digo sinceramente, 90% do tempo eu me preocupo com outro problema gravíssimo que é a saúde humana em risco no Brasil.
A denúncia que ele faz sobre a inspeção sanitária é de fato grave. Isso não abona os outros erros. O ideal é atacar os dois problemas.
Joesley me entregou um relatório com os seguintes números: há 206 frigoríficos no Brasil que têm inspeção sanitária federal. Que é bem feita e rigorosa, segundo ele. Há 422 frigoríficos que só têm inspeção estadual. Há níveis diferentes de qualidade da fiscalização. Minas é o pior estado, segundo Joesley. Os municípios fiscalizam 762 estabelecimentos:
— Existe um sistema de padrão internacional, o Riispoa, de inspeção. Ele só é cumprido pelos fiscais do Ministério da Agricultura. Nos estados, há alguma exigência. Nos municípios, o que acontece é brincadeira. Ninguém olha nada. Das 35 milhões de cabeças de gado abatidas por ano no Brasil, 20 milhões estão sob inspeção federal, os outros 15 milhões são abatidos com pouca ou nenhuma análise. Os brasileiros que comem essa carne estão correndo riscos
Por: Míriam Leitão
Fonte: O Globo
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