Uma pecuária certificada e sustentável? Algo inimaginável há muito pouco tempo começou a tomar forma, pelo menos com um exemplo que poderá dar nova fisionomia a um dos setores mais conservadores e refratários a inovações sustentáveis.
Afinal, se existe uma atividade econômica rotulada como pouco afeita a adotar critérios de sustentabilidade em seu negócios, principalmente, aqui pelas terras de Pindorama, é sem dúvida a pecuária. No caudaloso cipoal de acusações consta a de contribuir da categoria para: desmatamento da Amazônia, degradação do solo, poluição do ar e da água, a responsabilidade por ocasionar perdas consideráveis à biodiversidade e ao agravamento do aquecimento global e das mudanças climáticas.
A FAO, órgão das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, já classificou a atividade como uma das maiores contribuintes para o acirramento dos problemas ambientais. Para complicar ainda mais a má fama dos boizinhos e vaquinhas que compõem o enorme rebanho brasileiro, com mais de 200 milhões de cabeças (2º maior do mundo atrás apenas dos EUA e 2º maior exportador de carne do planeta depois da Austrália), estudos indicam que em um hectare utilizado pela pecuária são produzidos apenas 34 quilos de carne. No mesmo espaço é possível produzir quase 4 toneladas de feijão e 6.500 quilos de milho, por exemplo. O consumo de água também é cinco vezes maior na pecuária do que na produção de cereais, de acordo com a FAO.
São argumentos poderosos para os que defendem dietas vegetarianas, oua redução significativa do consumo de carne. As justificativas utilizadas até agora pelos conservadores pecuaristas integrantes desse poderoso setor econômico sempre foram baseados nos dividendos obtidos pelas exportações. Afinal, o dinheiro pode tudo, ou não?
Pois há quem discorde dessa afirmação e busque ensaiar uma positiva mudança na cadeia produtiva da carne brasileira.
A Fazenda São Marcelo, pertencente ao grupo JD e localizada no Mato Grosso, acaba de conquistar a primeira certificação da Rede de Agricultura Sustentável no mundo para a pecuária, concedida pelo Imaflora (certificadora oficial da Rain Forest Alliance no Brasil).
Para fazer jus ao selo, a São Marcelo atendeu a 136 critérios diferentes ligados a práticas socioambientais e sustentáveis de produção, entre elas, o rastreamento integral de todo o gado da fazenda; cuidados específicos em relação ao bem estar animal; recuperação de áreas degradadas e o apoio ao aperfeiçoamento e reciclagem para os funcionários. A fazenda possui duas reservas particulares de patrimônio natural e por meio de um termo de cooperação técnica com o Ibama matogrossense, realiza um trabalho de recuperação e soltura de animais apreendidos.
Diferencial competitivo
Mas o que leva uma fazenda de gado a buscar uma certificação como essa, praticamente, indo na contramão das práticas de suas congêneres?
Proprietário da São Marcelo, o empresário e pecuarista Arnaldo Eijsink , fornecedor da Brasil Foods e do Frigorífico Marfrig, explica que existem inúmeras vantagens em receber um selo de qualidade como o do Imaflora, conferindo ao seu produto um diferencial competitivo. Para quem exporta essa é, sem dúvida, uma grande diferença. De olho nas exigências cada vez maiores do mercado internacional, Arnaldo acredita no aumento de vendas para novos compradores que procuram adquirir uma carne de origem comprovada e certificada.
Outros ganhos estão agregados ao sistema de gestão socioambiental e que levam em conta o devido respeito aos ciclos naturais e a preservação da biodiversidade local. “Observamos uma infestação menor de pragas e doenças e a redução nos gastos com produtos químicos”, afirma Arnaldo. Ele destaca ainda, que a rotatividade de mão-de-obra, muito comum no setor, é pequena na São Marcelo, em virtude da satisfação dos funcionários.
Será que essa primeira fazenda certificada irá efetivamente influenciar para que ocorram mudanças consistentes na pecuária brasileira?
“Em primeiro lugar é preciso entender que é um setor heterogêneo”, afirma Luis Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação da Imaflora, “portanto é possível obter avanços”, conclui com otimismo. Isso não significa que o desafio não seja enorme.
O próprio Luis Fernando lembra que a pecuária, de modo geral, é um dos setores mais atrasados. Daqueles que faz baixo uso de tecnologia, possui visão de curto prazo e em geral termina por não agregar valor a seus produtos.
Exatamente para que a carne da São Marcelo alcance o almejado valor agregado e seja reconhecida pelo consumidor final por suas vantagens e méritos é que o objetivo agora é buscar frigoríficos, supermercados e até mesmo restaurantes que apoiem e garantam visibilidade a essa iniciativa.
Mesmo que esse grande avanço chegue a mais propriedades e até mesmo reduza significativamente o enorme impacto causado pela atividade boa parte dela ilegal, ainda teremos um longo caminho para alcançar algo que se possa chamar de sustentável.
A nós consumidores resta a tarefa de adquirir produtos certificados ou de origem legal, mas também a de fazer mudanças importantes em nossa dieta alimentar. Um consumo menor ou mesmo livre de carne traria enormes benefícios ao nosso meio ambiente.
Enquanto as grandes transformações alimentares dos humanos não se tornam realidade, resta-nos aplaudir alguns avanços e esperar que passos importantes sejam dados rumo a uma economia e um mundo menos insustentável para o bem geral, das pessoas, mas também dos boizinhos, das vaquinhas e de outros seres que por aqui habitam.
Fonte: Carta Capital
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