you're reading...

Em Português

Uma verdadeira festa para o paladar

Anos atrás, quando esteve por aqui, o chef Pascal Barbot, do restaurante parisiense L’Astrance, elegeu apenas um ingrediente brasileiro para levar na mala: meio quilo de formigas saúvas, que havia experimentado na casa de dona Brazi, a cozinheira mais popular de São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas. Em Paris, Barbot ligou para críticos e clientes especiais a fim de convidá-los para degustar a iguaria. Foi um sucesso: todos ficaram impressionados com o sabor fresco, que lembra gengibre e citronela. A cena deve ter sido inusitada e o episódio ilustra o quanto o conceito de iguaria é relativo e tem mudado nos últimos tempos.

Há dez anos, ninguém imaginaria que “abacaxi com saúva” viria a ser sobremesa do D.O.M., o restaurante de Alex Atala, que ocupa o sexto lugar entre os melhores do mundo na lista The World’s 50 Best. Na época, ingredientes autóctones de cada país não cabiam na definição da palavra iguaria, que remetia imediatamente a produtos como foie gras, caviar ou trufas. Mas o movimento espanhol da Nueva Cocina, capitaneado por Ferran Adrià, não só abalou os alicerces da cozinha francesa que se praticava no mundo como redefiniu o conceito de iguaria. As antigas iguarias continuam valendo, mas há um mundo novo de ingredientes redescobertos por chefs que estão mudando a linguagem da mesa.

O carioca Felipe Bronze, que introduziu o sorvete de capim santo com saúva no menu-degustação do Oro, diz que o fez por conta do sabor e não do exotismo. “O exotismo só dura para quem prova pela primeira vez. E pode acreditar: quem prova fica tão encantado que acaba trazendo mais gente para conhecer”, conta. Para ele, iguaria é o produto no ápice do frescor. “Podem ser trufas recém-tiradas da terra em Alba, um peixe que acaba de sair do mar ou um alho poró arrancado há poucas horas.”

Patrimônio imaterial declarado pelo Iphan, o canastra real tem origem no queijo português da Serra da Estrela, mas é produzido na Serra da Canastra, em Minas Gerais, de forma artesanal

Além da qualidade, a raridade é elemento que se agrega ao conceito de iguaria. Vencer distâncias em busca de ingredientes verdadeiramente especiais é hábito de alguns chefs e também de gourmets como Roberto Smeraldi, diretor de políticas da Oscip Amigos da Terra e vice-presidente do instituto Atá. Para ele, o mel das abelhas nativas entra na categoria pela diversidade. “Existem 240 espécies de abelhas daqui (Jataí, Uruçu, Tujumirim) e o que produzem é diferente e excepcional, com perfumes e texturas que o mel comum (de abelhas europeias ou africanas) não tem.”

Para precisar o quanto os exemplos de iguarias podem ser temporais, Smeraldi gosta de contar que em 2002 ganhava de graça as ovas de tainha que os peixeiros costumavam jogar fora, nas feiras livres. Em casa, fazia bottarga, que virou moda nos restaurantes chiques. “Veja que há dez anos era lixo. Hoje, chego a pagar entre R$ 90 e R$ 100 o quilo das mesmas ovas.”

São as mulheres baniwas, da Organização Indígena da Bacia do Içana, na Amazônia, que elaboram esta pimenta desidratada e moída, feita conforme a tradição dos povos da floresta

Em matéria de ingredientes que soam como esquisitices para nós, os japoneses são pródigos. Quando começa a enumerar sua lista de iguarias, Tsuyoshi Murakami, do restaurante Kinoshita, faz referência imediata ao karasumi, o nome que se dá à bottarga no Japão. Ele mesmo prepara o karasumi que serve. Mas por questões de importação, a maior parte dos produtos que cita não estão disponíveis para compra no varejo nos supermercados e importadoras do bairro da Liberdade. Apenas o matsutake, cogumelo que cresce na Ásia, Europa e América do Norte, pode ser encontrado aqui, na Casa Santa Luzia. “Só de sentir o aroma, meio picante, os japoneses enlouquecem. Temos alguns clientes que trazem do Japão para a gente preparar”, diz.

Uma das novas iguarias que estará disponível para os brasileiros, a partir de maio, é o caviar de sementes de quiabo produzido por Roberta Sudbrack, conhecida por ter chefiado a cozinha do Palácio da Alvorada quando FHC era presidente. “Estamos finalizando alguns estudos com a ajuda da Embrapa. Comercializar esse caviar é um desejo que acalento há anos”, revela.

Coisas genuínas, simples e castiças, estão entre aquilo que o empresário Tomas Alvim, sócio da Bei Editora e integrante da Confraria do Porco e Vírgula, chama de iguarias. “Sou um pesquisador de batata frita, por exemplo, e pra mim não há nenhuma que se compare à do restaurante Santo Colomba, em São Paulo.”

Outra iguaria para ele é o pão de folar, feito com enchidos de porco, que segue a tradição lusa e pode ser encontrado numa padaria do bairro do Pari. É lá também que Alvim come cordeiro assado, recheado com arroz de amêndoas, no restaurante do Carlinhos. ” A gente acaba se reduzindo a uma ilha da fantasia. Quem antes ia até a Vila Medeiros? Agora todo o mundo vai, depois que o Mocotó quebrou essa barreira.”

Por: Maria da Paz Trefaut
Fonte: Valor Econômico

Newsletter

Banners



Outros Sites

Parceiros